Publicado em 19/11/2025.
A Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF) realizou, na manhã desta quarta-feira (19), no Plenário do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), uma ação educacional presencial, com transmissão ao vivo, voltada a promover reflexões sobre equidade racial no sistema de Justiça.
A atividade reuniu desembargadores, magistradas, magistrados, servidoras, servidores e público externo para dialogar sobre como, quando e por que práticas institucionais podem fortalecer um Judiciário mais plural, à luz da formação “Cadê a Juíza, Cadê o Juiz? – Desafios da Equidade Racial no Judiciário e suas Interseccionalidades”.
Na abertura, o desembargador Maurício Pinto Ferreira, superintendente-adjunto da EJEF, destacou a importância da data — véspera do Dia da Consciência Negra — como um momento simbólico para refletir sobre a composição do sistema de Justiça.
“A pergunta que nos reúne — Cadê o juiz? Cadê a juíza? — não é apenas uma frase de impacto; é um chamado, a voz de quem, ao longo da história, foi impedido de chegar ao cargo de juiz, juíza ou servidor deste Tribunal”, afirmou.

O magistrado observou, ainda, que as discussões sobre equidade racial não se restringem ao ambiente institucional.
“Este debate não está restrito apenas a este ambiente; ele está chegando mais longe, alcançando a sociedade de forma aberta e democrática”, afirmou.
O desembargador Maurício reiterou a relevância do tema para o cumprimento da missão institucional da EJEF.
“A diversidade não ameaça a Justiça; ela a fortalece, tornando nossas decisões mais legítimas e conectadas com a realidade brasileira”, concluiu.
Na sequência, o presidente do TJMG, desembargador Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Junior, abordou a necessidade de políticas afirmativas no sistema de Justiça.
Ele recordou que, em sua gestão, o Tribunal aprovou resolução que estabeleceu o percentual de 50% para o ingresso de mulheres na segunda instância, avançando além das orientações nacionais.
“As ações afirmativas têm o objetivo de produzir efeitos no futuro. Hoje, podem causar algum incômodo a determinadas pessoas, mas, adiante, a construção da igualdade será reconhecida como uma medida imprescindível”, pontuou.

O presidente destacou, ainda, a persistência histórica da desigualdade racial no país:
“Vivemos em um país que, apesar de toda a sua diversidade racial e cultural, ainda convive com o racismo estrutural. E só conseguiremos combatê-lo quando tivermos consciência da necessidade de estabelecer critérios que considerem as perspectivas raciais.”
Ao final, reconheceu o empenho das equipes responsáveis pela condução da ação educacional:
“O Tribunal de Justiça se orgulha de organizar encontros como este. Parabenizo a Desembargadora Teresa Cristina e a doutora Mariana Andrade, grandes responsáveis por sua realização.”
Lançamento de cartilha sobre respeito, diversidade e pluralidade
O momento seguinte da programação foi dedicado à apresentação da cartilha institucional “TJMG de portas abertas: respeito, diversidade e pluralidade”, elaborada a partir de demanda da Presidência do Tribunal.

O material, apresentado pela juíza auxiliar da Presidência, dra. Mariana de Lima Andrade, em parceria com a Diretoria de Comunicação (DIRCOM), reúne orientações de letramento racial e de gênero, direcionadas às equipes que atuam em portarias, recepções e setores de atendimento, com o objetivo de fortalecer práticas acolhedoras, respeitosas e alinhadas aos valores institucionais do Tribunal de Justiça.
Palestras: equidade racial em foco
A mesa de exposições foi mediada pela dra. Mariana de Lima Andrade, que iniciou o momento contextualizando sua proposta.
“Estamos aqui em uma data que envolve a Consciência Negra, que deve ser celebrada, mas também servir como momento de reflexão sobre como a instituição tem tratado esse tema”, afirmou a magistrada.

Em seguida, convidou o público a reconhecer o impacto do racismo estrutural:
“Antes de tudo, precisamos reconhecer que carregamos esse viés de pensamento, e que ele certamente é levado por todos nós ao cotidiano de trabalho”.
A juíza apresentou as conexões entre as trajetórias dos três palestrantes — Raíza Feitosa Gomes, Dra. Bruna dos Santos Costa Rodrigues e dr. Fábio Francisco Esteves — destacando que suas pesquisas e vivências dialogam diretamente com o tema da ação:
“Reunimos três pessoas que serviram de inspiração umas para as outras”, disse.
A escritora e pesquisadora Raíza Feitosa Gomes iniciou sua fala apresentando as motivações de sua obra e de sua trajetória pessoal:
“Sou de Teresina, Piauí, terra de Esperança Garcia. Ela dizia: ‘Ponha os olhos em mim’. De lá eu venho; é de lá que eu falo.”
Em sua análise, observou como a formação histórica do Direito brasileiro incorporou estruturas de desumanização da população negra, afirmando que “o sistema de justiça não se tornou racista de repente”, mas que essa realidade é fruto de suas próprias origens.

Ao tratar do livro “Cadê a Juíza – Travessia de Mulheres Negras no Judiciário”, cujo título inspirou a denominação da ação, explicou como entrevistou magistradas negras que relataram episódios recorrentes de estranhamento:
“Uma delas ouviu ‘cadê a juíza?’ estando exatamente no lugar correto para iniciar a audiência, sem margem alguma para dúvida.”
E acrescentou:
“O diagnóstico da desigualdade está dado. A questão é: o que fazer diante disso? Essa não pode ser uma preocupação apenas das juízas e juízes negros”.
Em sua exposição, a juíza do Tribunal de Justiça do Ceará (TJCE) e mestra em Políticas Públicas pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), dra. Bruna dos Santos Costa Rodrigues, compartilhou reflexões sobre sua trajetória, destacando como o racismo estrutural se manifesta mesmo após a ascensão profissional:
“Quando você ascende na magistratura e continua a enfrentar resistência, você se enxerga como uma pessoa negra. A questão não é só social, é a cor da minha pele”.

Ela relatou um episódio semelhante ao apresentado pela pesquisadora Raíza Feitosa, vivido por ela própria em uma sala de audiência:
“Perguntaram: ‘Mas cadê a juíza?’. Não havia mais ninguém ali. Foi quando percebi: o que impede que ele enxergue que eu sou a juíza?”
A magistrada também conectou sua experiência às pesquisas sobre representatividade — especialmente sobre a sub-representatividade de mulheres negras nos tribunais superiores —, destacando a relevância histórica de Minas Gerais no contexto nacional:
“Em Minas, com uma população negra de cerca de 53,8%, são esses os jurisdicionados a quem se destinam as decisões.”
O dr. Fábio Francisco Esteves, juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), apresentou uma reflexão sobre o papel das lideranças e das instituições:
“A inclusão não funciona se a instituição não se comprometer integralmente com isso”, disse.

Ele propôs uma mudança terminológica:
“Convido-os hoje a substituir ‘ações afirmativas’ por ‘compromissos significativos’, expressão utilizada pela corte sul-africana.”
Ao relembrar a criação do Encontro Nacional de Juízas e Juízes Negros (ENAJUN), afirmou:
“O ENAJUN não é um processo de segregação. É um encontro promovido por magistrados negros para dialogar com a magistratura, com associações, com tribunais e com a sociedade.”
O magistrado também destacou a responsabilidade ética e constitucional da magistratura:
“A desigualdade deve, no mínimo, nos constranger. Juramos cumprir a Constituição, que nos obriga a construir uma sociedade livre, justa e solidária.”
E concluiu reforçando o papel de aliadas e aliados no debate:
“Eu não quero ter lugar de cala. Não posso me calar. Estarmos aqui já é assumir um compromisso significativo com a equidade racial”, finalizou.

Mesa de honra
Compuseram a mesa de honra de abertura o desembargador Luiz Carlos de Azevedo Corrêa Junior, presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG); o desembargador Maurício Pinto Ferreira, superintendente-adjunto da EJEF, representando o desembargador Saulo Versiani Penna, 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da EJEF; o desembargador Estevão Lucchesi de Carvalho, corregedor-geral de Justiça de Minas Gerais; a desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, superintendente da Coordenadoria da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar e da Equidade de Gênero, Raça, Diversidade, Condição Física ou Similar do TJMG; o dr. Fábio Francisco Esteves, conselheiro indicado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT); e a dra. Mariana de Lima Andrade, juíza auxiliar da Presidência do TJMG.





