O Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), por meio da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), promoveu, no último dia 10 de outubro, um evento com foco na proteção e no apoio às famílias em vulnerabilidade social no Teatro Municipal de Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte. Duas iniciativas fundamentais foram destaque: o Programa Entrega Legal e o Serviço de Família Acolhedora, ambos conduzidos pela Coordenação da Infância e da Juventude do TJMG (Coinj). O objetivo é garantir um atendimento digno e respeitoso às mulheres que enfrentam a difícil decisão de entregar seus filhos para adoção e proporcionar a crianças em vulnerabilidade o direito à convivência familiar.
Programa Entrega Legal: uma alternativa segura para genitoras
Criado com base na Lei 13.509 de 2017, o Programa Entrega Legal foi implementado em 2019 em Minas Gerais para apoiar mulheres que decidem entregar seus filhos recém-nascidos para adoção. O programa oferece suporte técnico e psicológico, garantindo que essas mulheres passem por esse processo de forma acolhedora, segura e sigilosa.
A necessidade de humanizar o atendimento dessas mães foi destacada durante o evento. A entrega de um filho para adoção não é uma escolha fácil e geralmente envolve um cenário de profunda vulnerabilidade. Muitas dessas mulheres enfrentam questões como a extrema pobreza, violência doméstica ou gravidez resultante de abuso sexual, o que torna o suporte integral essencial.
Raquel Olício, Comissária da Infância e Juventude do TJMG, falou sobre o estado de vulnerabilidade das mulheres atendidas pelo programa. “Uma das maiores dificuldades que elas enfrentam é a decisão em si, pois sabem que isso vai impactá-las por toda a vida”, afirmou. Além disso, ela destacou que muitas mulheres não sabem o que esperar quando buscam ajuda, temendo o julgamento e o preconceito. Para ela, a chave está em “mostrar que essa mulher precisa ser acolhida de forma humanizada, sem julgamentos ou preconceitos”.
O programa também cuida para que essas mães recebam atendimento adequado em todos os pontos de contato, desde o primeiro momento de busca por ajuda, seja em unidades de saúde ou no Judiciário. O sigilo é uma das garantias fundamentais do Programa Entrega Legal, protegendo a identidade da mãe e assegurando que sua decisão seja respeitada. “As mães que buscam o programa precisam de amparo, sem pressão, e com o direito de repensar a entrega”, destacou Raquel.
Muitas das mulheres que participam do programa chegam por demanda espontânea, após pesquisarem o tema, o que demonstra que a informação sobre esse direito ainda precisa alcançar mais pessoas. A psicóloga jurídica do Tribunal, Daniela Torres, reforçou que, além de acolher, o programa busca capacitar profissionais da rede de proteção para que lidem com essas mães de forma sensível, garantindo que seus direitos sejam preservados. Ela lembrou que, “muitas vezes, antes de o bebê ser abandonado, temos uma mãe que foi abandonada”, enfatizando a importância de entender o contexto dessas mulheres.
Serviço de Família Acolhedora: o direito à convivência familiar
Além do Programa Entrega Legal, o Serviço de Família Acolhedora se apresentou como uma solução para crianças que precisam ser afastadas temporariamente de suas famílias de origem. Diferente do acolhimento institucional, o programa oferece a possibilidade de as crianças viverem com famílias voluntárias, em um ambiente mais próximo do familiar.
Durante o evento, Dr. José Roberto Poiani, juiz do TJMG, explicou como o serviço de acolhimento familiar garante o direito constitucional das crianças à convivência familiar e comunitária. “Ao invés de ficarem em um serviço de acolhimento institucional, que cessa a violência inicial, mas também pode causar danos ao retirar da criança o direito à convivência familiar, o sistema de família acolhedora garante esse direito fundamental”, explicou.
O programa, que já funciona com sucesso em Uberlândia, apresenta um modelo que pode ser expandido para outras cidades. Poiani destacou que a meta é aumentar o percentual de crianças acolhidas em famílias para 25% até 2027, especialmente na primeira infância, fase em que o acolhimento familiar é essencial. Atualmente, o programa em Uberlândia já atinge de 50% a 55% das crianças acolhidas.
Raquel Olício também enfatizou a importância de envolver mais famílias no programa. “A maior parte dessas crianças vem de situações de vulnerabilidade social e econômica, e precisamos garantir que elas tenham um ambiente seguro e afetuoso, mesmo que temporariamente”, afirmou. Para ela, além de acolher as crianças, o programa também deve atuar na criação de políticas públicas que evitem que essas situações se repitam.
O futuro dos programas e os próximos passos
O evento realizado em Santa Luzia reuniu magistrados, assistentes sociais, psicólogos e demais profissionais da rede de proteção à infância. Foi uma oportunidade para discutir estratégias de expansão e fortalecimento do Programa Entrega Legal e do Serviço de Família Acolhedora. O juiz Dr. Fabrício Simão da Cunha Araújo, que atua na Vara da Infância e Juventude de Santa Luzia, mostrou-se otimista em relação ao futuro. “O evento foi um momento de união para toda a rede, que pôde ver o sistema de família acolhedora funcionando na prática e vislumbrar os efeitos positivos que ele traz”, comentou.
Com o engajamento da rede local, há uma expectativa de que ambos os programas sejam implementados amplamente em Santa Luzia e em outras regiões de Minas Gerais. O Tribunal busca garantir que as crianças e mães em vulnerabilidade recebam o apoio necessário para que seus direitos sejam respeitados, sempre com foco no atendimento humanizado e na garantia da convivência familiar.