Cada processo judicial guarda consigo histórias únicas, jornadas de vida e um vasto conjunto de significados particulares. Mais que documentos, eles representam a busca incansável por justiça, alimentando esperanças e refletindo as realidades mais diversas.
A cada página emergem a história de indivíduos, suas vidas e os caminhos que percorrem, desde os mais simples até os mais complexos. Contudo, apesar dessa singularidade, nem todo processo carrega um valor histórico duradouro para a sociedade, demandando uma destinação que não seja a guarda permanente.
Em dezembro de 2023, a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), responsável pela Gestão da Informação Documental do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), ultrapassou a marca de 10 milhões de processos judiciais eliminados. O número exato é 10.060.297.
O Segundo Vice-Presidente do TJMG, Desembargador Renato Dresch, Superintendente da Escola Judicial, enfatizou que: “Esse montante corresponde a 2.538,4 toneladas de papel que foram doadas à Associação dos Catadores de Papelão e Material Reaproveitável (Asmare) entre os anos de 2014 e 2023. Somente no ano de 2023, já foram eliminados 1.219.743 processos, de execução fiscal, execução de títulos extrajudiciais, juizados especiais cíveis e criminais, habeas corpus e mandados de segurança”.
Daniela Santos, Gerente da Gerência de Arquivo e Gestão Documental da Justiça de 1ª Instância (GEARQ), destacou: “Este é um marco que não apenas demonstra a eficiência da gestão documental do TJMG, mas também reflete o compromisso da instituição em lidar com cada processo de forma única e significativa, uma vez que investimos em uma eliminação qualitativa. O nosso diferencial não são somente os números, mas a forma como nosso trabalho é realizado”.
Giselle Santos Cesário da Costa, Coordenadora do Arquivo Intermediário da Segunda Instância do TJMG (COARQ), ressalta que a eliminação é resultado de um abrangente processo de gestão documental. “A partir do momento em que você gerencia os documentos, classificando-os e identificando sua função dentro da estrutura organizacional da instituição ― no nosso caso, o Tribunal ―, determina-se, por meio dos instrumentos técnicos institucionais, por quanto tempo cada documento deve permanecer disponível para consulta. A eliminação só ocorre quando o documento realmente cumpriu o prazo de guarda e sua função dentro da instituição”, explicou.
Fases
Independentemente da categoria, o processo atravessa múltiplas etapas até atingir sua destinação final. A etapa inicial é a corrente, em que o documento é frequentemente acessado. Quando deixa de ser consultado com frequência, como no caso de um processo encerrado, ele passa para a etapa intermediária.
Análise criteriosa
Cada documento gerado pelo TJMG possui um prazo específico de guarda. Alguns documentos permanecem sob a custódia das comarcas, no caso da 1ª instância, ou dos setores, na 2ª instância, enquanto outros são encaminhados para o Arquivo Central ou o Arquivo Intermediário da Secretaria do Tribunal.
Essa permanência pode variar de anos a décadas. Para alguns, a guarda é perene, como no caso dos documentos de valor histórico e que, por esse motivo, precisam ser preservados.
O arquivamento e a eliminação de documentos no TJMG seguem critérios rigorosos estabelecidos em diversas normas, incluindo a Resolução nº. 749/2013 do TJMG e a Portaria Conjunta nº. 417/PR/2015, que institui Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade (PCTT) dos documentos administrativos da Justiça de primeiro e de segundo graus do Estado de Minas Gerais.
As decisões relacionadas ao estabelecimento de prazos para guarda e eliminação de documentos, assim como outras questões ligadas à gestão documental no TJMG, são analisadas e deliberadas pela Comissão Técnica de Avaliação Documental (CTAD), criada pela Portaria nº. 3.069/PR/2014. Essa comissão desempenha papel fundamental na definição de políticas e diretrizes que visam à eficiência e à conformidade do processo de gestão documental dentro do Tribunal.
Além de submetida a normas internas do TJMG, a gestão documental é regida por legislação e orientações externas, como a Constituição Federal, a Lei Federal nº. 8.159/1991 e Resolução nº 324/2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Essas diretrizes externas complementam as normas internas do TJMG, garantindo que o processo de gestão documental seja abrangente e esteja alinhado com as melhores práticas.
Estratégia de avaliação documental
Jaqueline Severina Viriato de Souza, Assistente da Coordenação de Orientação e Avaliação Documental (CORAV), conexa à GEARQ, explica como ocorre o processo de avaliação: “O processo de eliminação envolve uma análise para verificar se o documento, no caso específico do processo, atende a todos os critérios de baixa, se os acordos foram realmente enviados para os locais específicos, se foram devidamente arquivados para garantir que, no futuro, caso seja necessário, uma certidão possa ser fornecida mesmo sem o documento físico. A eliminação é resultado do processo de gestão documental, que se inicia na elaboração do documento.”
Ressaltando que a equipe de avaliadores realiza uma análise minuciosa de cada volume, a colaboradora ainda explicou: “A avaliação é feita manualmente, um processo de cada vez, analisado de trás para frente. Durante a avaliação, é crucial verificar se há pendências no processo, o que varia de acordo com a classe. Por exemplo, os processos do JESP Cível e do JESP Criminal são menos complexos. Por outro lado, processos como Execução Fiscal e Execução de Título Extrajudicial demandam mais atenção, pois são mais extensos e demorados, com várias pendências, como averbações e penhoras. Portanto, requerem um tempo maior de avaliação antes de serem liberados para a eliminação”.
Editais de ciência
Antes da eliminação, é necessário e obrigatório que o processo seja listado nos editais de ciência de eliminação de documentos, que são publicados regularmente pelo TJMG. Esses editais apresentam a lista de processos a serem eliminados, excluindo aqueles em que há solicitação de guarda particular. Partes e advogados têm prazo de 45 dias para manifestar interesse na guarda particular desses documentos. Apenas os não solicitados são eliminados. Os editais determinam que, em caso de múltiplos pedidos, os autos originais sejam entregues ao primeiro requerente, enquanto os demais receberão cópias.
A preparação e a publicação dos editais de ciência da eliminação seguem as classes definidas pela Comissão Técnica de Avaliação Documental (CTAD) e os prazos de guarda estabelecidos no Plano de Classificação e Tabela de Temporalidade (PCTT) do TJMG.
Os critérios incluem prazos mínimos para a baixa definitiva dos processos antes da eliminação, como no caso de autos de execução fiscal, que devem ter sido baixados há, pelo menos, cinco anos.
Economia, liberação de espaço e reaproveitamento de materiais
O Desembargador Renato Dresch destacou que a eliminação dos documentos resulta na liberação de espaço nos locais destinados à guarda do acervo documental em todas as comarcas, por meio do ciclo de coletas, economia de aluguel de prédios e reaproveitamento de materiais. “Essas atividades, que continuam até os dias atuais, têm gerado melhor adequação e economia de espaço nas unidades da Secretaria do Tribunal de Justiça, contribuindo para a eficiência e o bom funcionamento do sistema judiciário em Minas Gerais”, comentou ele.
Carlos Márcio de Souza Macedo, Juiz Auxiliar da Segunda Vice-Presidência do TJMG, destacou os benefícios econômicos desses procedimentos. “A otimização dos espaços do Tribunal a partir das eliminações tem contribuído significativamente para a redução das locações para guarda de acervo documental. Como resultado, o TJMG está há oito anos sem alugar novos imóveis exclusivamente para acréscimo de novos locais de arquivo, o que é fruto de uma exitosa parceria entre a Diretoria-Geral de Gestão Documental (DIRGED) e a Diretoria Executiva de Administração Predial (DENGEP)”.
Daniela Santos apresentou a atual estimativa de liberação de espaço nas comarcas: “Nós estimamos que cerca de 15% do acervo documental de cada comarca pode ser eliminado ou avaliado para eliminação. Quando retiramos esses 15%, em média, liberamos espaço para três, quatro anos de novos arquivamentos da comarca. O total eliminado pelo Tribunal, englobando processos judiciais e documentos administrativos, desde 2014, já liberou o espaço de 12.035,8 m²(metros quadrados), ou 62.143,9 m¹ (metros lineares)”, concluiu.
Em relação aos materiais que acompanham as folhas e peças processuais, Giselle Cesário ressaltou: “os materiais resultantes da eliminação, como papel, são doados para reciclagem; já as capas e presilhas plásticas são reutilizados dentro do Tribunal”.
É uma questão socioambiental importante a ser considerada, já que não se trata apenas de papel, mas também de outros materiais. “Em nosso tribunal, por exemplo, os processos de segunda instância são acondicionados em caixas-arquivo, que, após a eliminação do papel, são reutilizadas. Os processos de segunda instância chegam com uma capa plástica, que também retorna para novos processos. A eliminação não apenas economiza espaço físico, mas também contribui para a sustentabilidade socioambiental em todos os âmbitos”, concluiu a gestora.
Fragmentação e doação à Asmare
É importante ressaltar que a eliminação de documentos pelo TJMG é feita de forma responsável e sustentável. Os documentos são eliminados após fragmentação mecânica, sendo vedada a incineração, o que demonstra o compromisso do Tribunal com o meio ambiente. Para resguardar a segurança jurídica, o procedimento de fragmentação é acompanhado por um profissional do TJMG.
O papel fragmentado é integralmente doado à Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável (Asmare). Entre 2014 e 2023, foram doadas mais de 2.538,4 toneladas de papel à Asmare.
Agenda 2030
A doação de material reciclável e a devolução à Coordenação de Controle de Material de Consumo (COMAT) das caixas-arquivo, capas e presilhas plásticas resultantes da eliminação de processos judiciais e documentos administrativos, foram recentemente reconhecidas como boas práticas pelo TJMG, que as contemplou com o “Certificado Agenda 2030”. Esse certificado, que visa destacar ações sustentáveis na Corte mineira, é concedido a iniciativas que contribuem para o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030, um compromisso global em prol dos direitos humanos lançado pela Organização das Nações Unidas (ONU). As medidas adotadas pela pela COARQ e pela CORAV promovem o reaproveitamento do material, a economia de recursos públicos, o uso consciente dos bens materiais e a sustentabilidade econômica e ambiental no âmbito do TJMG.
Histórico de iniciativas
Desde 2007, quando foi criada, a Diretoria de Gestão da Informação Documental (DIRGED), por meio da Coordenação de Arquivo da Secretaria do Tribunal de Justiça (COARQ), também tem avaliado e eliminado documentos administrativos que já cumpriram seus prazos de guarda na instituição. Nesse mesmo ano, foi elaborada a primeira “Tabela de temporalidade”, com foco, inicialmente, nos documentos administrativos, enquanto a “Tabela de temporalidade de processos judiciais” estava em construção.”
A atividade aprimorou-se ao longo dos anos. Em 2013, iniciou-se um projeto-piloto de eliminação dos processos dos Juizados Especiais (JESP), que se concretizou em 2014, com os primeiros editais de eliminação desses processos. Em 2015, foram lançados editais para a eliminação de quase 64 mil agravos de instrumentos, seguidos de precatórios, a partir de 2016, e de Mandados de Segurança e Habeas Corpus a partir de 2017.
Para lidar com a crescente demanda, a DIRGED designou à Gerência de Arquivo e Gestão Documental da Justiça de 1ª Instância (GEARQ) a responsabilidade pela gestão da 1ª instância, enquanto a GEDOC, que antes tinha outras responsabilidades, passou a gerenciar os arquivos da 2ª instância e os permanentes. Desde então, a eliminação de documentos administrativos e processos judiciais tornou-se uma prioridade, com metas ambiciosas estabelecidas para esse fim.
Essas iniciativas não apenas promovem a eficiência operacional, mas também contribuem indiretamente para a implementação bem-sucedida de práticas como a virtualização de processos, ao liberar espaço físico e recursos para esse e outros projetos desenvolvidos nas comarcas.