Na manhã de quarta-feira, 3 de abril, a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), atendendo à demanda da Primeira Vice-Presidência do TJMG, promoveu o curso “Desvendando Precedentes – Tema 28 – Responsabilidade por omissão: o caso do Tema 592 do STF”. A ação formativa foi transmitida por meio do Canal da EJEF no Youtube, e pode ser acessada aqui.
Desembargador Alberto Vilas Boas, Primeiro Vice-Presidente do TJMG e Coordenador-geral do Centro de Inteligência da Justiça de Minas Gerais (CIJMG), foi o responsável pela abertura da ação e pelas boas-vindas aos participantes e à docente. Em seu discurso de abertura, ele destacou que a ideia do “Desvendando Precedentes” é convidar um membro da magistratura ou algum estudioso do Direito, que tenha se debruçado sobre tema construído por tribunais superiores ou mesmo pelo Tribunal de Justiça, na forma de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), para que ele explique, especificamente, o conteúdo do precedente, sua aplicabilidade bem como as dificuldades que eventualmente possam surgir em sua aplicação na segunda instância.
A docência do curso ficou a cargo de Taís Schilling Ferraz, desembargadora do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), sediado em Porto Alegre/RS. A magistrada é integrante do Grupo Operacional do Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal (CIn), professora do Corpo Docente Permanente do Mestrado da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM) e coordenadora dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região.
Tema 592 (STF)
O Tema 592 do Supremo Tribunal Federal (STF) originou-se do julgamento realizado pelo Supremo a respeito da responsabilidade do Estado por atos omissivos, especialmente aqueles que envolvem a morte de pessoas que presas e custodiadas por ele.
Desembargadora Taís Schilling Ferraz iniciou a abordagem do tema por meio de um vídeo sobre o julgamento, cujo objeto foi a morte de um detento em um presídio do Rio Grande do Sul. A família da vítima requereu indenização, dadas as condições do encarceramento. O Estado foi considerado responsável pelo fato, visto que o indivíduo estava sob sua custódia. “Nas atuais circunstâncias, não consigo imaginar uma situação em que o Estado deixe de ser o responsável pela indenização” – disse um dos ministros do STF ao término da sessão. A docente analisou essa afirmativa sob vários aspectos no decorrer da ação.
A tese fixada foi a de que “em caso de inobservância do seu dever específico de proteção previsto no artigo 5º, inciso XLIX, o Estado é responsável pela morte de detento”. À luz desse enunciado, a docente seguiu a explanação, abordando questões como responsabilidade civil objetiva do Estado, o alcance desse precedente (objetivo, subjetivo, temporal, espacial), dentre outras matérias.
Considerações acerca das abordagens
Taís Schilling elucidou o assunto tratado por meio de reflexões sobre qual seriam as implicações ao se decidir sobre a aplicação do Tema 592 em determinadas circunstâncias, como na morte de um detento que foi eletrocutado ao empreender fuga de um presídio. A docente problematizou se, em um caso como esse, o Estado teria o dever de indenizar. Em seguida, esclareceu: “Nossa tendência é enxergar o precedente como uma lei, uma regra geral, mas ele não vai trazer uma norma” – observa, ressaltando que o precedente é uma decisão judicial tomada em um caso concreto, que pode servir como parâmetro para outros julgamentos semelhantes.
A docente explicou que a tese, como aquela fixada com relação ao Tema 592, costuma ser interpretada como norma, porque, inclusive, tem essa estrutura, mas há riscos em interpretá-la dessa maneira. Nessa perspectiva, comentou os desafios da fixação de tese sob o viés da linearidade de pensamento. “É como se tivéssemos que traçar uma linha entre a tese, o fato e o resultado; mas no modelo de precedentes o caminho é indutivo e analógico, não partimos do geral para o particular, mas do caso particular em direção a uma possibilidade de norma. O caminho tem que ser diferente” – ressalta.
A docente explicou ainda que, em teses redigidas de forma muito genérica, corre-se o risco de ampliar o alcance do precedente e aplicá-lo a todas as circunstâncias de morte em presídio (no caso em questão). Já em teses muito restritivas, o alcance do precedente pode ser reduzido, deixando-se de aplicá-lo em situações que poderiam ser resolvidas com base nos mesmos pressupostos.
A desembargadora ponderou que não sabemos em quais circunstâncias os fatos ocorrerão, há complexidades a serem consideradas; portanto, a tese será um facilitador para a aplicação de determinado precedente, mas será impossível que ela contemple todos os fatores, havendo sempre o risco de ela ser genérica ou restrita. “Quando olhamos só para a tese, corremos o risco de não aproveitarmos o modelo de precedentes”, refletiu.
A docente esclareceu que o alcance do precedente não está baseado no que consta na tese, mas na “ratio decidenti”, ou seja, no porquê de o tribunal ter decidido daquela maneira. Um determinado caso é importante porque, a partir dele, pode-se verificar a aplicabilidade do precedente em situação similar, mas Schilling explica que é preciso comparar as circunstâncias e suas especificidades. Importante observar, no caso do Tema 592, quais outros fatos ocorreram, qual tipo de morte, o teor do laudo criminalístico; enfim, vários aspectos que subsidiem a elucidação do ocorrido, de forma que o julgador não fique condicionado a um julgamento preexistente.
“Temos que dar o mesmo tratamento a casos semelhantes, mas também temos que ser capazes de distinguir os casos e avaliar a aplicabilidade de acordo com os graus de distinção; aplicar precedente é diferente de aplicar a lei” – concluiu.
Próximo tema
O “Desvendando Precedentes – Tema 29” acontecerá dia 18 de abril e abordará os aspectos práticos do (des)sobrestamento e da aplicação de precedentes vinculantes. A ação terá como docente Frederico Augusto Leopoldino Koehler, Juiz Federal em Pernambuco (JFPE).
O curso será ministrado a distância e transmitido ao vivo pelo canal do YouTube da EJEF. As inscrições já estão abertas e podem ser feitas até às 23h59min do dia 16 de abril de 2024, por meio do link: https://siga.tjmg.jus.br/mod/cadastro/index.php?cursoid=cur2731