A Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF) promoveu, nesta quinta-feira, 27 de abril, no Auditório do Anexo I, o seminário “Acesso à justiça e povos indígenas: perspectivas práticas e institucionais”. Além de magistrados, servidores do TJMG, membros do Ministério Público e da Defensoria Pública, lideranças indígenas e advogados envolveram-se nas palestras e debates.
Na abertura do evento, Desembargadora Ana Paula Nanetti Caixeta, Terceira Vice-Presidente do TJMG, destacou que a iniciativa faz parte de uma série de ações educacionais desenvolvidas pela EJEF, em parceria com a Terceira Vice-Presidência, a partir da experiência bem-sucedida do magistrado e docente Matheus Moura Matias Miranda, da Comarca de Águas Formosas. Por meio do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) e como fruto de parceria com vários órgãos de Justiça da região, o magistrado desenvolve o projeto “Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Maxakali”.
“A partir da exitosa iniciativa do Juiz Matheus Moura, as ideias foram-se somando e só assim foi possível a realização deste seminário. Quando a gente dá as mãos, os projetos se prolongam e dão continuidade. Que possamos caminhar de mãos entrelaçadas, na busca pelo bem da sociedade, mas principalmente dos povos originários”, frisou a magistrada.
Sobre a importância da interlocução entre diversas instituições para melhorar o acesso dos povos indígenas ao sistema de Justiça, ela enfatizou: “Temos o dever do cuidado, dever do acolhimento, dever do respeito às etnias, das expressões culturais e artísticas e, sobretudo, dever do aprimoramento dos serviços judiciários”.
Em sua exposição, Desembargador Luiz Carlos Corrêa Júnior, Corregedor-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, falou da abertura das “multiportas”, com um olhar especial aos povos minorizados. “De nada adianta promover o acesso à Justiça se não tratarmos desigualmente os desiguais. Esse curso é passo importante para resgatar uma dívida imensa que temos com esses povos de nosso país. É um momento de resgate, de respeito e de empatia”, salientou.
Desembargador José Arthur Filho, Presidente do TJMG, dirigiu-se ao público engrandecendo o projeto desenvolvido em Águas Formosas. Ao iniciar sua exposição, ele citou trecho do artigo de autoria do Juiz Matheus Moura Matias Miranda, com o qual apresentou o projeto “Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Maxakali”.
“O Brasil é um país de muitas fronteiras. Não apenas físicas, cartográficas; a maior parte delas é simbólica. Quando pensamos no contexto étnico-cultural, principalmente, há uma delimitação notável a separar as cosmovisões diversas dos povos originários e o ethos ocidental que pauta a sociedade envolvente. Tomando o Povo Maxakali como referencial (…), a concepção de ‘fronteira’ ganha muitos contornos significativos. É que os Maxakali (…) habitam múltiplos espaços fronteiriços. Suas aldeias estão geograficamente localizadas em Minas Gerais, na divisa entre os vales dos rios Jequitinhonha e Mucuri, área limítrofe à Bahia. Talvez por isso, muitas são as comunidades quilombolas e ribeirinhas que também encontraram nessa região, por muito tempo, o refúgio do oblívio – de um Brasil profundo sobremaneira esquecido.”
O presidente da Corte mineira destacou a importância do seminário e das iniciativas alavancadas à medida que a discussão do tema chegou à Alta Direção do TJMG. “O evento revela-se como uma oportunidade de refletirmos, coletivamente, sobre como podemos atuar, para além da função precípua de julgar, a fim de fomentar o acesso dos povos originários à Justiça. Nesse sentido, gostaria de destacar a criação, pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, no início deste mês, do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania Povos e Comunidades Tradicionais, coordenado pela Terceira Vice-Presidente, Desembargadora Ana Paula Nannetti Caixeta, tendo como coordenadora adjunta a Desembargadora Shirley Fenzi Bertão” concluiu.
Painel 1
Pela manhã, o “Painel 1”, intitulado “A experiência do Tribunal de Justiça de Roraima (TJRR) em Justiça Itinerante junto a comunidades indígenas”, foi apresentado por Desembargador Erick Cavalcanti Linhares Lima, do TJRR. A mesa foi composta por Desembargadora Ana Paula Nanetti Caixeta, como presidente, e Juiz Marcus Vinícius Mendes do Vale, como debatedor. O magistrado roraimense relatou sua experiência e conduziu brilhante exposição sobre o reconhecimento étnico-racial e traçou panorama legal que envolve as populações indígenas no Brasil.
Painel 2
O “Painel 2”, intitulado “O acesso à justiça pelos povos indígenas em Minas Gerais”, foi presidido por Adriano da Silva Ribeiro, Chefe de Gabinete da Presidência do TJMG, com palestras proferidas por Adelmar Fernandes Barbosa Junior, advogado da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste Minas Gerais e Espírito Santo (APOINME); Alexandre Borges de Jesus, Liderança indígena da APOINME; Giselma Ferreira de Brito, Liderança indígena da APOINME e Damazinho Maxakali ,Vereador da comarca de Bertópolis.
As autoridades discutiram pautas como: pluralidade das etnias, demarcação de terras, respeito à cultura, à espiritualidade e aos territórios indígenas, combate à violência bem como luta por garantias judiciais.
Adelmar Fernandes Barbosa Junior proferiu palestra intitulada “A Justiça na perspectiva indígena”. Giselma Ferreira de Brito, Cacique do Povo Xucuru-Kariri, proferiu palestra sobre suas experiências ancestrais e sobre vivência como liderança feminina. Com sua exposição emocionante, ela foi aplaudida de pé pelos magistrados do TJMG e pelo público presente. “A Justiça para nós é essencial, mas ela não pode usar a caneta do poder para impactar negativamente nossos povos. Faço, aqui, um apelo aos senhores juízes que, antes de decidir qualquer questão, reflitam, busquem conhecer nossa cultura, saibam sobre quem vocês estão assinando um documento que, pode mudar para sempre, não só a vida de uma pessoa, mas de milhares”, clamou.
Expansão do projeto “Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Maxakali”
Ainda no “Painel 2”, Juiz Matheus Moura proferiu a palestra “A expansão do projeto Cidadania, Democracia e Justiça ao Povo Maxakali para outras comunidades indígenas em Minas Gerais”, tendo como debatedores: Edmundo Antônio Dias Netto, Procurador da República, e Daniela Campos de Abreu Serra, Promotora de Justiça.
Ao falar do desejo de expansão da iniciativa para outras comunidades, o magistrado justificou: “É de suma importância a institucionalização do projeto para que ele não dependa do juiz Matheus, do juiz fulano ou beltrano. Ao ser institucionalizado, poderemos expandir e garantir, no âmbito da Justiça de Minas, maior efetividade das determinações constitucionais a esses povos”, destacou.
O palestrante apresentou o histórico do tratamento judicial dado às questões indígenas ao longo do tempo e propôs: “Precisamos da itinerância como bandeira e como princípio. Não adianta tentar fazer justiça somente a partir dos gabinetes, se for para expandir, precisamos ouvir, colaborar e respeitar a cosmologia indígena”.
Painel 3
O “Painel 3″intitulado “Diálogo interinstitucional e atuação em rede em matéria de Direitos Indígenas”, sob comando de Sérgio Henrique Cordeiro Caldas Fernandes, Juiz de Direito do TJMG, teve exposições de Cláudia Helena Batista, Juíza de Direito do TJMG; Francisco Ângelo Silva Assis, Promotor de Justiça do MPMG; Ubirajara Chaves de Moura Junior, Defensor Público da DPMG; Helder Magno da Silva, Procurador da República; João Márcio Simões, Defensor Público da União e Matheus Antunes Oliveira, Procurador- Chefe Nacional da Procuradoria Federal Especializada junto à Funai.
Os magistrados e operadores do Direito discorreram sobre a importância de uma rede sólida, formada por diversas instituições e atores, pronta para compreender e atender as diversas demandas da causa indígena.