“Não pode haver revelação mais profunda da alma de uma sociedade do que a maneira como trata seus filhos e filhas”. Foi citando Nelson Mandela que Edinaldo César Santos Junior, juiz do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe (TJSE), concluiu sua palestra no curso “Audiências concentradas como recurso de integração da política socioeducativa”, ocorrido dia 11 de agosto, no Auditório da Corregedoria-Geral de Justiça. O conteúdo foi transmitido ao vivo pelo canal oficial da EJEF no Youtube.
A audiência concentrada socioeducativa é um “acompanhamento processual periódico, presidido pelo magistrado, para a reanálise da situação individual de adolescente que cumpre medida socioeducativa de internação e semiliberdade, com a participação do Ministério Público, da defesa técnica, do próprio adolescente ou jovem, bem como de seus pais ou responsáveis, e, eventualmente, de demais atores do Sistema de Garantia de Direitos (SGD)” (Resolução CNJ nº 367/2021, art. 4º, III).
Durante a explanação do painel “Políticas Judiciárias na socioeducação e a atuação do Programa ‘Fazendo Justiça no Brasil’”, o magistrado sergipano, que atualmente exerce a função de juiz auxiliar da Presidência do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e membro do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema de Execução de medidas Socioeducaticas (DMF), discutiu, entre outras questões, o percurso histórico e os desafios no atendimento socioeducativo no que tange ao Poder Judiciário no Brasil. Destacou a necessidade de uma oitiva qualificada nas audiências e de elas serem realizadas, prioritariamente, nas dependências da unidade socioeducativa. Salientou que deve haver encaminhamentos pós-audiência com outras instituições do SGD, além de monitoramento dos dados de atendimento.
Formador da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM), na disciplina Questões Raciais, e coidealizador do Encontro Nacional das Juízas e Juízes Negros (ENAJUN), Edinaldo César Santos Junior abordou, ainda, a importância de se discutir a política socioeducativa sob a ótica das nossas raízes históricas, advindas do processo de escravização e de colonialismo. “Eu sou um homem preto, o que significa, portanto, que eu me pareço muito com a maioria dos socioeducandos e, por isso (mas não somente por isso), eu quero dizer que eles têm todo o meu respeito e a minha dedicação. Estou trabalhando como juiz, pensando na socioeducação daqueles que se parecem comigo e que precisam de todos nós”. Edinaldo relatou que, certa vez, em visita a uma das unidades, durante uma roda de conversa com os adolescentes, perguntou a um deles qual era o seu sonho. “O jovem respondeu que queria ser gari. Eu perguntei: por que você tem o sonho de ser gari? E ele me respondeu que era porque as pessoas e as crianças acenam para os garis quando eles passam”.
Estiveram presentes o Juiz Ricardo Lima (representando a Coordenadoria da Infância e da Juventude (COINJ), a Promotora de Justiça Paola Botelho (Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa dos Direitos das Crianças e dos Adolescentes/MG), a Juíza Simone Abras (representando o Corregedor-Geral de Justiça/MG), o Juiz Edinaldo Junior, a Desembargadora Márcia Milanez, os desembargadores José Luiz Faleiros e Antônio Carlos Cruvinel, a Gerente da Gerência de Planejamento e Desenvolvimento Pedagógico (GEPED-EJEF) Inah Szerman (EJEF), o Procurador do Estado Thiago José Coelho, o Coronel do Corpo de Bombeiro Edgard Silva (representando o Secretário de Estado de Justiça e Segurança Pública /MG), a defensora pública Daniele Nesrala (representando a Defensora Pública Geral/MG), a Subsecretária de Atendimento Socioeducativo, Giselle Cyrillo (conforme dispostos na imagem).
No momento da abertura do curso, o Desembargador José Luiz Faleiros, representando o presidente do TJMG, José Arthur Filho, saudou os participantes na pessoa do procurador do estado na Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Thiago Coelho, que representava o governador de Minas Gerais, Romeu Zema; da Desembargadora Márcia Milanez, Coordenadora-Geral do Programa de Assistência Integral ao Paciente Judiciário (PAI-PJ); e do Juiz Edinaldo César Junior.
Entre os convidados, estavam o juiz de direito atuante na Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte e membro do GMF/MG, Afrânio José Fonseca Nardy; a Coordenadora Executiva do PAI-PJ, Bárbara Isadora Santos Sebe Nardy; a Juíza Auxiliar da Corregedoria, Andréa Cristina de Miranda Costa; o Coordenador Executivo da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC), Gustavo Moreira; e o Coordenador Estadual do Programa Fazendo Justiça (PNUD/CNJ), Lucas Pereira Miranda.
O Desembargador José Luiz Faleiros, supervisor do GMF, salientou que as audiências concentradas representam uma importante ferramenta no processo de integração da política socioeducativa. “Ao reunir diversos atores e recursos em um único espaço e momento, elas permitem uma abordagem holística e eficiente para debater questões complexas.”
Em seguida, a Desembargadora Márcia Milanez compartilhou sua satisfação em fazer parte do processo de instalação das audiências concentradas. “É um dia de trabalho, mas também de muita alegria e emoção, pois isso era um sonho antigo; há muito já vínhamos conversando e assistindo às reuniões da GMF acerca da necessidade de realização das audiências concentradas. Devemos todos estar juntos nessa caminhada” – enfatizou a coordenadora-geral do PAI-PJ.
Nessa esteira, o Desembargador Antônio Carlos Cruvinel nos lembrou de que as audiências concentradas, propostas pela Recomendação CNJ nº 98/2001, “representam um passo significativo em direção a uma justiça mais ágil e humanizada, proporcionando um espaço no qual a intervenção direta e personalizada ocorre de maneira impactante. A realização dessas audiências garante o tratamento digno aos membros mais vulneráveis da nossa sociedade, com enfoque individualizado nas necessidades e pretensões de cada jovem; buscando, assim, não apenas corrigir os erros do passado, mas também capacitando-os para um futuro mais promissor” – enfatizou o Coordenador-geral da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC).
No início do curso, leram-se cartas de adolescentes que se encontram em cumprimento de medidas socioeducativas. Os documentos foram organizados pela Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo (SUASE) em parceria com o programa Fazendo Justiça, do CNJ. São histórias de dor, abandono, de dificuldades enfrentadas antes e durante o processo de privação de liberdade; narrativas de arrependimento e de sonhos com uma nova vida permeada de oportunidades. Houve cartas em que alguns adolescentes manifestaram satisfação com oficinas, cursos e projetos realizados no âmbito do sistema socioeducativo.
Expositora do painel “Programa de Atendimento das Unidades Socioeducativas de Minas Gerais”, a subsecretária de Atendimento Socioeducativo, Giselle Cyrillo, apresentou a perspectiva do Poder Executivo no que tange às audiências concentradas. Giselle fez referência à leitura de uma das cartas e citou um trecho em que um jovem diz que teve sua matrícula recusada pela escola. Falou sobre o estigma que carregam quando a sociedade se refere a eles como “este adolescente é do socioeducativo”. E acrescentou, “primeiro que ele pertence a si próprio, segundo que no que concerne à responsabilidade, enquanto estiver em cumprimento de medida, todos nós somos responsáveis por ele”.
Nesse sentido, as audiências concentradas vêm ao encontro dessas necessidades. Entre os benefícios propiciados, estão maior agilidade no atendimento dos adolescentes, aumento da qualidade do acompanhamento das medidas socioeducativas, reavaliação sistemática da situação jurídica e psicossocial dos jovens, escuta qualificada de familiares e maior habilitação quando do desligamento do programa.
Segundo a subsecretaria de Atendimento Socioeducativo (SUASE), das 41 unidades socioeducativas do Estado de Minas Gerais, 32 participam de audiências concentradas (dados de agosto/2023). Torna-se relevante destacar o papel do Plano Individual de Atendimento (PIA) ― instrumento que tem como finalidade planejar e avaliar o processo de socioeducação dos jovens a quem se atribui a autoria de um ato infracional. Segundo Cyrillo, trata-se uma ferramenta “viva”, orgânica, representativa de um “pacto” com o adolescente e apta a auxiliá-lo no processo de compreensão do motivo que o levou àquela situação e de quais são suas perspectivas ao sair daquele programa de atendimento.
A exposição do terceiro painel, intitulado “Apresentação do Provimento Conjunto nº 125/2023 sobre Audiências Concentradas”, foi realizada pelo juiz de direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Uberlândia, José Roberto Poiani, que é integrante do GMF/MG para assuntos do socioeducativo e membro da Coordenadoria da Infância e da Juventude (COINJ).
Além das questões concernentes às diretrizes e aos procedimentos para a realização das audiências concentradas, Poiani abordou a necessidade de um olhar mais humanizado no que tange ao tema. Falou sobre o resgate dos laços familiares, “às vezes estamos ali com um pai ou uma mãe que nem ia visitar o adolescente”, comentando a importância de trazer para esses momentos as referências sociofamiliares dos jovens, que nem sempre são seus pais, mas que são atores relevantes para a construção e execução do seu PIA.
“Alguns adolescentes são tímidos, e a gente lançou a possibilidade de eles escreverem uma carta”. Ela será lida pelo juiz, promotor, defensor, e vai para o processo juntamente com o relatório. Outros, todavia, preferem falar diretamente com o juiz. Portanto, trata-se de uma metodologia em construção, que utiliza estratégias visando à melhoria da oitiva, da comunicação e da avaliação do socioeducando – ponderou o integrante do GMF e da COINJ.
Na segunda parte da ação educacional houve oficina e formação de grupos, com o intuito de discutir casos concretos acerca do assunto. Ao final, houve dinâmicas e apresentação dos trabalhos que abordaram, sobretudo, pontos a serem aperfeiçoados nas audiências concentradas em Minas Gerais.
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