O desafio de garantir os direitos das pessoas em situação de rua é uma preocupação urgente. Muitas delas enfrentam múltiplos obstáculos, incluindo o acesso limitado a abrigo, alimentação, assistência médica e, principalmente, o acesso à justiça. O Judiciário mineiro, em particular, desempenha um papel fundamental na busca por soluções que promovam a inclusão social e a dignidade dessas pessoas marginalizadas.
Ações como o “1º Encontro Nacional de Comitês Judiciais de Atenção às Pessoas em Situação de Rua,” promovido pela Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF) em parceria com o Núcleo de Voluntariado do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG) e o Comitê Pop Rua/Jus, nesta sexta-feira, 27 de outubro, são passos importantes rumo à garantia dos direitos dos cidadãos que sobrevivem nas ruas.
O objetivo do encontro foi disseminar boas práticas de implementação da Resolução nº 425/2021 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), visando à adoção das medidas propostas em âmbito multidisciplinar e interinstitucional.
A ação educacional ocorreu na modalidade presencial, na sede do TJMG, com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube da EJEF.
Ao abrir a ação educacional, a Desembargadora Maria Luiza de Marilac, Presidente do Comitê Pop/RuaJus e Coordenadora do Núcleo de Voluntariado do TJMG, destacou que a Resolução 425 do CNJ é uma mudança de paradigma na forma como o Poder Judiciário deve lidar com as questões envolvendo as pessoas em situação de rua. “Essa é uma parcela da população que mais precisa da atuação da Justiça, e muitas vezes a Justiça não chega até ela”, afirmou.
O Desembargador Renato Dresch, Segundo Vice-Presidente e Superintendente da Escola Judicial, destacou a busca pela eliminação dos preconceitos. “Se nós queremos construir uma sociedade livre, justa e solidária, com a redução das desigualdades sociais, precisamos excluir todos os preconceitos. A aparofobia é um preconceito que está ainda arraigado em nossa sociedade. Nós precisamos diariamente trabalhar pela inclusão”, concluiu.
O Corregedor Geral de Justiça, Desembargador Luiz Carlos Correa Júnior, parabenizou a todos envolvidos na ação e salientou: “Acredito que nós todos do sistema de aparato de justiça temos a função primordial de prestar a jurisdição, mas muito mais do que isso, devemos fazer justiça e fazê-la para aqueles e aquelas que mais necessitam”.
Em seu discurso, o Desembargador José Arthur de Carvalho Pereira Filho, Presidente do TJMG, citou Isabel Allende: “Este é um momento de reflexão. Que mundo queremos? Julgo que é essa a pergunta mais importante do nosso tempo, a pergunta que todas as mulheres e homens conscientes devem fazer-se…” (…) “Queremos uma civilização inclusiva e igualitária, sem discriminação de gênero, raça, classe, idade ou qualquer outra classificação que nos separe. Queremos um mundo amável, onde imperem a paz, a empatia, a decência, a verdade e a compaixão.”
Troca de conhecimento para o fortalecimento do Sistema de Justiça em prol das pessoas em situação de rua
É imperativo que o poder público, a sociedade civil e instituições judiciais trabalhem de mãos dadas para desenvolver políticas públicas mais abrangentes e eficazes, que abordem as causas subjacentes desse aumento alarmante e garantam que nenhuma pessoa seja deixada para trás. Enfrentar essa questão requer esforços conjuntos, conscientização e ação decidida para proteger e cuidar dos mais vulneráveis em nossa sociedade, independentemente de sua condição de moradia.
A iniciativa buscou promover a inclusão social e o acesso à justiça para uma parcela vulnerável da população. A troca de conhecimento e experiências entre os participantes fortaleceu o compromisso do sistema judiciário em buscar soluções e políticas mais eficazes para atender às necessidades dessas pessoas em situação de rua.
Palestras
Renomados palestrantes, como a Ministra Carmen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), e o Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além de outros profissionais de destaque na área, trouxeram ricas contribuições ao tema. Durante o encontro, os participantes puderam debater temas importantes relacionados à inclusão das pessoas em situação de rua, estratégias de acesso à justiça para essa população, e a criação de comitês multiníveis, multissetoriais e interinstitucionais como instrumentos de gestão e governança da política judicial de atenção às pessoas em situação de rua.
Palestra da Ministra Carmen Lúcia
O encontro foi encerrado com uma palestra da Ministra Carmen Lúcia, que abordou o papel do Judiciário como garantidor dos direitos das pessoas em situação de rua e suas interseccionalidades. A magistrada dividiu sua exposição em três partes: discutindo a visão do Judiciário sobre o assunto, destacando princípios constitucionais negligenciados, e enfatizando a necessidade de uma atuação concreta. A ministra ressaltou que a existência de milhares de pessoas sem acesso a direitos fundamentais demonstra a falta de efetividade desses direitos e apela aos julgadores para cuidar desse grupo. Ela também mencionou a necessidade de considerar as circunstâncias que levam essas pessoas a cometerem delitos. A ministra Cármen Lúcia destacou a importância de abordar a questão humanitariamente e promover a pacificação em vez de focar no individualismo. Ela reforçou o compromisso do Judiciário com a dignidade humana e a esperança, apesar dos desafios.
População em números expressivos
A crescente população em situação de rua no Brasil é um fenômeno alarmante e desafiador que se intensificou nos últimos anos. De acordo com a publicação preliminar do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulada “Estimativa da População em Situação de Rua no Brasil (2012-2022)”, houve um aumento significativo de 38% entre 2019 e 2022, atingindo a preocupante marca de 281.472 pessoas. Esse crescimento expressivo reflete claramente o impacto da pandemia de Covid-19 sobre esse segmento populacional já vulnerável.
Esse estudo inédito, divulgado em dezembro de 2022, também revela que, em uma década, de 2012 a 2022, o crescimento desse segmento da população foi ainda mais dramático, chegando a um assustador aumento de 211%. Essa expansão é notavelmente superior à do crescimento da população brasileira em geral durante o mesmo período, que foi de apenas 11% entre 2011 e 2021, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).