Publicado em 26/11/2025.
A Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF) realizou, nesta quarta-feira (26), no auditório da instituição, em Belo Horizonte, o seminário “Povos e Comunidades Tradicionais”.
Destinada a magistrados, servidores e demais públicos interessados, a formação buscou ampliar a compreensão sobre povos e comunidades tradicionais, seus saberes, modos de vida e desafios no acesso à Justiça. Realizada em formato presencial, a atividade integra o plano pedagógico da EJEF voltado ao enfrentamento do racismo e à promoção de direitos.
O desembargador Maurício Pinto Ferreira abriu os trabalhos destacando a complexidade e a ancestralidade que caracterizam os povos e comunidades tradicionais.
“É uma honra iniciarmos este seminário dedicado aos povos e comunidades tradicionais, grupos que preservam há gerações formas próprias de organização social, espiritualidade, trabalho, manejo do território e transmissão de conhecimentos”, afirmou.
Em sua avaliação, o Poder Judiciário desempenha um papel decisivo na garantia de direitos.
“É nosso dever institucional compreender seus modos de vida, respeitar seus saberes e assegurar que o Poder Judiciário não seja um obstáculo para seus costumes, mas sim um instrumento de promoção de direitos, pluralidade e diversidade.”

Ele também contextualizou os desafios históricos e estruturais que atravessam essas comunidades.
“Os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, ciganos, povos de terreiros, enfim — todas essas comunidades, no fundo, nos emprestam cultura, conhecimento e também nos apresentam desafios diários e históricos: racismo, invisibilidade, conflitos territoriais, violência e a destruição de nossos ambientes.”
Para o magistrado, a formação representa um marco institucional:
“Este seminário não é apenas um espaço de informação e um convite à nossa responsabilidade. É um chamado a revisitar práticas, superar preconceitos e reconhecer o racismo estrutural que também permeia nossas instituições.”
O desembargador Rogério Medeiros Garcia de Lima, 3º vice-presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), presidente do Comitê de Justiça Restaurativa (COMJUR) e coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (NUPEMEC), que não pode comparecer presencialmente devido a outros compromissos pré-agendados, deixou mensagem gravada aos participantes, onde abordou o papel do Judiciário contemporâneo. Ele observou:
“O Judiciário do século XXI não se limita a julgar demandas ou solucionar conflitos, mas, acima de tudo, envolve-se na busca de soluções pacíficas e na prevenção de litígios, inclusive por meio de ações sociais voltadas às pessoas mais vulneráveis.”
Rogério Medeiros concluiu enfatizando a relevância do tema para a atuação institucional, afirmando ser fundamental que, após o seminário, todos tenham maior consciência da importância de valorizar as tradições e os direitos desses povos.”
Em seguida, o desembargador Enéias Xavier Gomes destacou a necessidade de ampliar a conscientização interna sobre a pauta.
“A proposta de construir este seminário parte da necessidade de que nós, juízes e servidores engajados nessa pauta, realizemos primeiro um processo interno de conscientização”, afirmou.

Para ele, o diálogo institucional depende do reconhecimento da história e da “superação de preconceitos”, como destacou.
Sustentou ainda que a formação é um marco inicial de um percurso mais amplo:
“Um seminário como este é, no fundo, um pontapé inicial — o começo de uma caminhada para que possamos criar, quem sabe em breve, uma pauta objetiva dentro do próprio Tribunal.”
O magistrado comentou também acerca da importância do aprendizado mútuo.
“O objetivo é aprender, e isso começa por nós. Juízes, desembargadores, servidores, sabemos um pouco de Direito, mas basicamente não sabemos nada dos povos tradicionais e de suas comunidades.”
N’Golo Aya: memórias, saberes e direitos quilombolas
A primeira palestra do dia foi conduzida por Július Keniata Nokomo Alves Silva, quilombola da comunidade Buieié, bacharel em Direito e pós-graduando em Antropologia.
Sua exposição foi debatida pela advogada Isadora de Oliveira, da Rede Luiz Gama em Defesa dos Direitos Quilombolas, vinculada à Federação N’Golo, e mestranda em Teorias do Direito e da Justiça pela PUC Minas.
Ao explicar sua atuação, Július Keniata descreveu as redes de articulação das quais faz parte.
“Atualmente, integro tanto a comissão das comunidades quilombolas da Zona da Mata, conhecida como Rede Sapoqui, quanto a Federação N’Golo — a Federação das Comunidades Quilombolas do Estado de Minas Gerais — que atua na mobilização, na formação e no enfrentamento dos conflitos e violências vivenciados pelas comunidades.”

Quanto ao percurso de sua apresentação, ele explicou que a dividiria em dois momentos: primeiro, para abordar o processo de formação da identidade quilombola; depois, para tratar da perspectiva dos direitos e das políticas públicas destinadas às comunidades.
Július também explicou a escolha da expressão que orientou sua fala.
“Usei ‘N’Golo Aya’ porque ‘n’golo’ é uma palavra de um dialeto africano considerada a ‘mãe’ da capoeira. O N’Golo é uma dança africana que, ao chegar ao território ancestral dos povos originários, no Brasil, transforma-se em uma arte marcial, uma luta.”
Ele esclareceu o significado simbólico do termo:
“‘Aya’ é um símbolo ligado à resiliência e à resistência da cultura Akan, de Gana. Eles associam esse símbolo à força diante das adversidades e utilizam uma frase que o representa: ‘Eu não tenho medo de você’. Por isso intitulei ‘N’Golo Aya’, para afirmar que não temos medo desse sistema colonialista, racista, opressor e homofóbico, e que seguiremos firmes em nossos processos de luta e resistência.”
Július concluiu dizendo que “a ideia é discutirmos um pouco a parte das memórias e da perspectiva dos direitos” dos povos originários e quilombolas.
A programação seguiu ao longo do dia, com exposições sobre decolonialidades, enfrentamento ao racismo religioso, políticas públicas, acesso à Justiça e garantias de direitos às comunidades tradicionais.

As atividades incluíram palestras com especialistas, debates e compartilhamento de experiências, encerrando-se no período da tarde. A ação educacional retomou temas ligados às memórias, às lutas históricas e às múltiplas racionalidades presentes nos territórios tradicionais, buscando aproximar o Sistema de Justiça dos grupos que compõem essa diversidade no estado.
Mesa de honra
Compuseram a mesa de honra o desembargador Maurício Pinto Ferreira, superintendente-adjunto da EJEF, representando o desembargador Saulo Versiani Penna, 2º Vice-Presidente Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) e superintendente da EJEF; e o desembargador Enéias Xavier Gomes, coordenador-adjunto do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania para demandas de Direito relativos a indígenas, quilombolas e demais povos e comunidades tradicionais da Justiça de Primeiro e Segundo Graus do TJMG (CEJUSC Povos e Comunidades Tradicionais).





