A Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), já realiza capacitações sobre inteligência artificial muito antes da publicação da Resolução nº 615/2025 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que regulamenta o uso responsável de soluções de IA no Judiciário. Com a nova diretriz agora em aplicação, a EJEF intensificou seu cronograma de cursos, oficinas e encontros regionais voltados a magistrados, servidores e colaboradores em todo o estado.
“A Resolução nº 615 do CNJ representa um avanço importante na consolidação de parâmetros éticos, técnicos e operacionais para o uso responsável da inteligência artificial no âmbito do Judiciário”, avaliou o desembargador Saulo Versiani Penna, 2º vice-presidente do TJMG e superintendente da EJEF.
Para ele, o trabalho já iniciado pela Escola confirma a antecipação da instituição ao debate. “A EJEF já vinha promovendo ações formativas sobre a matéria antes mesmo da publicação da norma, com o objetivo de preparar magistrados e servidores para lidar com os desafios e as oportunidades trazidos por essas tecnologias.”

O magistrado também chamou atenção para o papel do Tribunal nesse processo de adaptação e inovação tecnológica. “O TJMG tem demonstrado, com sobriedade e consistência, um pioneirismo responsável na abordagem da IA, tanto no desenvolvimento de soluções internas quanto na formação de sua comunidade jurídica.”
O desembargador considera as ações como peças-chave na prestação jurisdicional. “Acreditamos que o conhecimento crítico e atualizado sobre o tema é essencial para assegurar segurança jurídica, transparência e eficiência.”
O juiz Thiago Grazziane Gandra, juiz auxiliar da 2ª vice-presidência e membro do Comitê Técnico da EJEF, acompanha de perto as frentes de trabalho voltadas à capacitação para uso ético da IA.
O magistrado vem debatendo com os públicos locais a supervisão humana e os cuidados técnicos exigidos pela nova regulamentação “A curadoria humana é indispensável para garantir que as ferramentas de inteligência artificial no Judiciário atuem como suporte, e não substituto, da análise crítica e da responsabilidade decisória dos magistrados, disse o Thiago Gandra.

“Daí a importância das ações educacionais da EJEF no sentido de trazer letramento e afastar o medo da tecnologia, assim como, de conscientizar sobre a necessidade de supervisão humana na utilização da inteligência artificial”, complementou.
Na mesma direção, a juíza Luciana de Oliveira Torres considera a atuação da EJEF um divisor de águas na forma como se ensina inteligência artificial no Judiciário. “A oficina de prompts foi a primeira do país a ter enfoque totalmente prático”, relatou.
“Antes, era algo totalmente teórico, e muitos tinham dificuldade em transpor aquele conhecimento para a prática. Com a oficina, partiu-se da realidade dos gabinetes e secretarias.” Segundo a Dra. Luciana, o novo formato permitiu associar diretamente o conhecimento técnico ao cotidiano da magistratura.

Além do conteúdo, a magistrada valorizou o alcance da iniciativa. “Com os núcleos regionais, esse conhecimento está sendo difundido no estado inteiro, não só em Belo Horizonte.”
A juíza mencionou ainda que o TJMG já desenvolve soluções institucionais com integração ao sistema PJe, como a assistente virtual atualmente em aprimoramento.
No âmbito da Diretoria de Desenvolvimento de Pessoas (DIRDEP), outras iniciativas voltadas à qualificação técnica e ética também estão em andamento, alinhadas às diretrizes da Resolução nº 615.
O diretor Iácones Vargas observa que “além da conscientização de magistrados e servidores sobre o uso responsável da IA, em prol da eficiência do Poder Judiciário, sem substituir o fazer humano do julgador, a EJEF tem desenvolvido ferramentas que otimizam rotinas de trabalho”.

“São exemplos dessa iniciativa em construção no CETED: um robô para atendimento ao público discente e um assistente de apoio a tutoria nos ambientes virtuais de aprendizagem”, ressaltou.
A gerente da Gerência de Planejamento e Desenvolvimento Pedagógico (GEPED), Inah Maria Szerman Rezende, considera que as ações realizadas não apenas transmitem conhecimento, mas abrem espaço para reflexão. “Temos buscado sensibilizar magistrados, servidores, estagiários, colaboradores terceirizados, entre outras pessoas, para os impactos, desafios e oportunidades que envolvem a adoção dessas tecnologias.”
Segundo a gestora, a proposta é abordar tanto a parte prática quanto as questões éticas. “Esses momentos têm servido como espaços importantes de reflexão ética, crítica e estratégica sobre o papel da IA no Judiciário.”
Thiago Doro, diretor-executivo da Diretoria de Gestão Documental (DIRGED), destaca duas iniciativas recentes:
- Publicação de decisões em linguagem simples no DJe: Desde novembro de 2024, a DIRGED passou a publicar, às segundas, terças e quartas-feiras, acórdãos cíveis e criminais selecionados por sua relevância, acompanhados de resumos em linguagem simples. Os resumos são elaborados com o auxílio das ferramentas ChatGPT e Notebook LM, promovendo maior acessibilidade ao conteúdo jurídico e auxiliando operadores do Direito na triagem do interesse pela leitura integral da decisão. A primeira publicação ocorreu em 12/11/2024, abordando o Tema 91 do IRDR do TJMG sobre a exigência de tentativa prévia de solução extrajudicial. A iniciativa teve ampla repercussão, sendo noticiada por veículos especializados como o Migalhas, e reforça o compromisso da EJEF e do TJMG com o Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples.
- Uso de Inteligência Artificial na avaliação documental: Projeto inovador da DIRGED que aplica Inteligência Artificial para classificar acórdãos de habeas corpus físicos quanto à sua destinação – eliminação ou guarda permanente – conforme a Resolução CNJ nº 615/2025, a Portaria TJMG nº 7.101/PR/2025 e o Manual de Gestão Documental do CNJ (Resolução CNJ nº 324/2020). Desenvolvido com base em modelo ajustado do ChatGPT, o sistema realiza extração de dados, aplicação de prompts estruturados e geração automatizada de listagens classificadas. Já em operação pela COARQ, a ferramenta analisou 148.384 ementas em apenas 40 minutos, com ganho de produtividade superior a 2.000.000% em relação à análise humana, promovendo inovação, eficiência e segurança jurídica na gestão documental.

Em 2025, a EJEF contabiliza milhares de participantes em ações sobre inteligência artificial. O curso “Aplicação da Inteligência Artificial ao Direito” já alcançou mais de 2.500 inscritos. Além dele, foram realizadas oficinas e seminários com diferentes focos — desde a construção de prompts até debates sobre litigância predatória e judicialização da saúde — com alcance em mais de 20 comarcas.
Entre as ações mais recentes, estão os encontros em São Lourenço, Sete Lagoas, Alfenas, Diamantina, Varginha e Pouso Alegre que discutiram os desafios e aplicações da IA no contexto jurídico.
O Congresso “Tecnologia, Inteligência Artificial e Inovação no Poder Judiciário”, realizado em março de 2025, consolidou o debate em nível nacional. O evento reuniu especialistas e autoridades de diferentes estados e instituições para tratar da aplicação prática da IA, regulação, segurança de dados, e ética na automatização de decisões judiciais.

“A tecnologia só terá o impacto desejado se todos os seus operadores estiverem preparados para usá-la de maneira ética e eficaz”, observou o superintendente da EJEF durante o congresso.
A EJEF também tem buscado ampliar seu campo de atuação para além das capitais. Os encontros dos Núcleos Regionais, iniciados nas cidades de Uberlândia e Uberaba, em fevereiro, reuniram magistrados e servidores para discutir tanto os aspectos técnicos da IA quanto às relações humanas no ambiente de trabalho.
A atuação internacional também tem feito parte da estratégia de formação. Em agosto de 2024, o desembargador Saulo Versiani Penna participou do “Seminário Internacional – Perspectivas Contemporâneas da Inteligência Artificial no Sistema Judicial, no Direito e nos Negócios”.
O evento, realizado entre os dias 6 e 8 de agosto, no John Jay College of Criminal Justice e nas sedes do Google e da Microsoft, em Manhattan (NY), tem apoio acadêmico da Escola Nacional da Magistratura (ENM), da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam), do Colégio Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura (Copedem)
“As ferramentas e conhecimentos adquiridos no evento servirão de base para que a EJEF desenvolva ações educacionais voltadas à ampliação do debate do impacto da Inteligência Artificial no exercício da função judicante”, relatou o magistrado.
Com a Resolução nº 615 agora em vigor, o cenário se torna ainda mais exigente quanto à transparência, supervisão humana e respeito aos direitos fundamentais. A norma do CNJ proíbe o uso de soluções automatizadas que possam comprometer garantias constitucionais, prevê a classificação de riscos e exige constante capacitação.
A EJEF, ao manter suas iniciativas em constante atualização, contribui para que o Judiciário mineiro se mantenha alinhado às diretrizes nacionais e preparado para os próximos desafios.