Com transmissão ao vivo pelo canal do YouTube, a EJEF promoveu no Plenário Especial do TJMG, nesta segunda-feira, 16 de setembro, o colóquio “Lei de Drogas: Desafios e Perspectivas no Brasil” para debater sobre seus impactos sociais, políticas públicas, tratamento de usuários e os problemas enfrentados na repressão ao tráfico.
Idealizado pelo desembargador Enéias Xavier, o evento educacional teve como objetivo trazer luz, entre outras coisas, sobre o encarceramento no Brasil. “Quando a gente analisa a população carcerária brasileira, cerca de 30% dos encarcerados estão ali em decorrência da Lei de Drogas. Quando a gente analisa a população feminina, é mais curioso ainda. Cerca de 65% das encarceradas estão ali em razão da Lei de Drogas”, disse.
Xavier ressalta ainda que é necessário se discutir uma atualização a respeito dessa questão no país. “Quando a gente vai analisar a legislação, nós temos uma lei que é de 2006. Portanto, decorridos quase 18 anos e praticamente nós não temos, no Brasil, seminários e discussões sobre essa lei.”
Paineis da manhã
No evento da manhã, de forma remota, o evento contou com a participação da Dra. Cristina Garcia Arroyo, especialista em Direito Penal e professora de Direito da Universidade de Sevilha. A doutora ressaltou, entre outras coisas, que, na Espanha, o consumo de drogas não é um delito penal, mas pode resultar em sanções administrativas, enquanto a produção e o tráfico são puníveis.
“A proteção da saúde pública é o eixo central da legislação espanhola, com delitos que abrangem desde a produção de substâncias nocivas até o tráfico de drogas, um problema global que exige regulamentações contínuas”, disse Arroyo, apontando que a regulamentação de drogas no país europeu é complexa e está em constante reforma.
Já a Dra. Paula Cunha e Silva comandou o painel “Macro Penalidade Relacionada às Drogas”, que teve palestra do Dr. Fernando Abreu, Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, onde ele induziu a uma reflexão de que o crime de tráfico não se restringe à mera venda do traficante para o usuário e a discussão não se limita ao que é usuário e traficante.
O promotor ressaltou que não é possível, por exemplo, diferenciar produtos para venda ou uso próprio apenas pela quantidade de drogas em posse de cada indivíduo, como recentemente foi discutido no Supremo Tribunal Federal (STF). “Passa, principalmente para mim a questão, pelo que nós devemos compreender sob uma lógica de uma perspectiva relacionada às drogas, especialmente no que diz respeito ao seu bem jurídico tutelado, que é, essencialmente a saúde pública e, num segundo estágio, a segurança e a própria paz pública”, disse.
“Quando nós falamos em tráfico de drogas, nós necessariamente hoje falamos em crimes de corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de capitais, corrupção de menores… Ou seja, há diversos delitos que estão, hoje, notadamente associados à simples venda de uma substância entorpecente de drogas para um usuário”, complementou.
A palestra de tema “Delito de Colaboração ao Tráfico de Drogas na Dogmática Penal” foi conduzida pelo Prof. Dr. Frederico Horta, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e a mesa foi presidida pelo desembargador Cristiano Álvares Valladares do Lago.
Frederico discutiu a aplicação do artigo 37 da Lei de Drogas, que pune a colaboração com grupos, organizações ou associações destinadas ao tráfico de drogas. “A punibilidade dos informantes do tráfico de drogas, especialmente os olheiros, é uma questão complexa e controvertida, com divergências sobre se a colaboração com um traficante individual deve ser punível”, explicou.
O professor menciona que o Tribunal está atravessando uma divergência sobre a aplicação do artigo 37. “A jurisprudência brasileira enfrenta desafios para aplicar a lei de forma coerente, especialmente quando se trata de determinar se o fogueteiro ou olheiro deve ser punido como partícipe do tráfico ou como colaborador informante de uma organização criminosa”, alertou.
Ele argumenta que a aplicação do artigo 37 deve ser extensiva para incluir casos de colaboração com traficantes individuais, a fim de evitar uma contradição sistemática onde aqueles que colaboram com grupos maiores são punidos com penas mais leves do que aqueles que colaboram com traficantes únicos. Ele também destaca a importância de considerar a efetividade da contribuição do informante para o tráfico, para determinar se a punição é justificada.
Ao finalizar a primeira fase do evento, o desembargador Cristiano Álvares Valladares do Lago enfatizou a importância das discussões e reflexões jurídicas para o aperfeiçoamento da jurisprudência e da legislação, destacando que as decisões judiciais devem ser baseadas em fundamentos técnicos e não meramente sociais. Ele também mencionou a necessidade de cuidado na aplicação da lei, especialmente no que diz respeito à descrição fática da conduta na denúncia, e a importância de responsabilizar não apenas indivíduos, mas também pessoas jurídicas envolvidas no tráfico de drogas.
Fechamento do colóquio
Ao final do dia, foi realizado novo painel com a presença do palestrante Nelson Rosenvald, presidente do Instituto Brasileiro de Estudos de Responsabilidade Civil (IBERC), trazendo o tema “O Mínimo Reparatório na Setená Penal – Viabilidade e Critérios”.
Rosenvald falou da crescente convergência entre o direito civil e o direito penal, com ambos os campos assumindo responsabilidades que antes eram exclusivas um do outro. “O direito penal está cada vez mais se voltando para a reparação de danos, enquanto o direito civil está adotando funções de prevenção e punição de ilícitos,” disse ele, destacando que essa mudança reflete uma sociedade mais complexa e dinâmica, onde as relações sociais não podem mais se pautar no isolamento entre esses dois ramos do direito.
Nelson também discutiu o conceito de mínimo reparatório, uma inovação que permite ao juiz criminal fixar um valor mínimo de indenização. “Essa ferramenta busca acelerar a reparação de danos e evitar a sobrecarga da justiça civil,” explicou ele. Ao fixar um valor mínimo, o juiz criminal evita que a vítima precise esperar uma decisão final na justiça criminal para buscar reparação na justiça civil, o que pode acelerar o processo e aliviar a carga sobre os tribunais civis.
Por fim, o especialista criticou a reforma penal de 2008, argumentando que, embora tenha sido um passo importante, foi tímida na integração entre o direito civil e o direito penal. “A execução da indenização poderia ser feita diretamente na justiça criminal, transferindo o risco da execução para o Estado,” sugeriu ele. Essa abordagem, segundo ele, evitaria que as vítimas tivessem que lidar com a complexidade e a lentidão do sistema civil. Ele enfatizou que, apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito para uma integração completa entre esses dois ramos do direito.