“O racismo se expressa concretamente como desigualdade política, econômica e jurídica.” Esse trecho do livro “O que é racismo estrutural” do jurista, filósofo e professor universitário Silvio Luiz de Almeida, demonstra a abrangência do racismo em nossa sociedade.
Visando formar juízes cada vez mais preparados para enfrentar as complexidades das questões étnico-raciais e garantir a justiça social, a EJEF promoveu, pela primeira vez na história da instituição, na manhã desta terça-feira, 18 de junho, a aula “Ações Afirmativas no TJMG e o Procedimento de Heteroidentificação” no 14º Curso de Formação Inicial de Juízes de Direito Substitutos (CFI). A docência ficou a cargo dos membros da Comissão de Heteroidentificação do Tribunal mineiro, o Juiz Matheus Moura Matias Miranda e a Gerente da Gerência de Arquivo e Gestão Documental e de Gestão de Documentos Eletrônicos e Permanentes (GEDOC), Simone Meirelles Chaves.
Ana Paula Prosdocimi, Diretora Executiva de Desenvolvimento de Pessoas (DIRDEP), enfatizou a relevância do ineditismo do tema na formação dos novos juízes. “A Lei n.º 12.990/2014, que estabeleceu as cotas nos concursos públicos, está vigente desde sua publicação em 9 de junho de 2014. A partir da publicação da Resolução do CNJ n.º 203/2015, passou a vigorar a reserva aos negros, no âmbito do Poder Judiciário, de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na Magistratura. O acesso aos cargos públicos também foi ampliado aos povos originários, com a publicação da Resolução n.º 512 de 30/06/2023, que reserva aos indígenas, no âmbito do Poder Judiciário, ao menos 3% (três por cento), das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na Magistratura. De lá para cá, muitos avanços ocorreram no modo de concretização dessa política pública. Formar os magistrados que irão decidir sobre a política de cotas, para compreenderem os fundamentos dessa ação afirmativa e a seriedade com que as análises são realizadas no âmbito das comissões de heteroidentificação instituídas pelos Tribunais e capacitadas pelas Escolas, confere segurança jurídica aos concursos públicos.”
Durante a aula foi esclarecido como funciona o procedimento de heteroidentificação conforme as diretrizes e critérios estipulados pelas Resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), especificamente as de n.º 203 de 2015 e n.º 512 de 2023.
O conteúdo compartilhado pelos docentes ofereceu um recorte específico sobre a imigração e as cotas raciais, destacando a política de ações negativas direcionadas à população negra, a ausência de reparação e suas consequências.
Segundo Matheus Miranda, o objetivo principal da aula foi fornecer elementos normativos e históricos sobre as políticas raciais no Brasil. Ele ressaltou a importância de entender as mudanças legislativas e jurisprudenciais desde a implementação das cotas para universidades públicas em 2004, até sua expansão para cargos públicos. “Nosso objetivo institucional foi o de fornecer esses elementos para que os magistrados pudessem tomar decisões informadas sobre questões raciais, tanto em editais de pós-graduação e graduação de estágio quanto em questões jurisdicionais. Além disso, foram detalhadas as políticas afirmativas no século XXI, proporcionando uma análise normativa e jurisprudencial do processo de heteroidentificação”, explicou o magistrado.
Durante a exposição dialogada, os docentes compartilharam vídeos e documentos que ilustraram as evoluções sociológicas e jurídicas relacionadas ao tema, dedicando tempo para esclarecer as dúvidas dos juízes.”
Simone Meirelles Chaves abordou o procedimento de heteroidentificação, destacando-se a metodologia utilizada para evitar subjetividades e garantir isonomia. “A política pública torna-se eficiente quando identifica corretamente os indivíduos alvos do racismo no Brasil, permitindo que assumam as vagas reservadas para essa população,” comentou Chaves.
Ao se dirigir aos alunos, ela, emocionada frisou: “Saibam que as senhoras e os senhores compõem uma turma que estabelece um corte temporal extremamente significativo para a história do país. Eu sinceramente não sei se há outras turmas de novos juízes e juízas que tenham acesso a essa informação. Vocês precisam ser instrumentalizados, assim como nós da Comissão, para atuar nessa função pública, que tem norma, que tem lei, que tem regra, que tem justiça para todos. Sinto-me muito honrada e agradeço toda a minha ancestralidade por ter essa oportunidade de estar aqui, neste momento, conversando com vocês e dando mais um passo rumo a um país mais igual. Até pouquíssimo tempo atrás, nossos ancestrais eram assassinados quando questionavam o direito, quando buscavam liberdade ou queriam provar que não eram vadios. E agora estou aqui, uma mulher preta, falando para uma turma de juízes. Isso é muito simbólico, muito significativo,” destacou a gestora.
A juíza Laís Lopes Senna ressaltou a importância da perspectiva racial no cotidiano dos magistrados. Ela destacou que a abordagem racial é essencial não apenas na formação inicial, mas também na aplicação judicial diária. “A presença de colegas cotitas raciais enriquece a turma e a compreensão das questões raciais, fundamentais para a análise jurídica”, pontuou Senna.
O juiz Iziquiel Pereira Moura elogiou a aula pela profundidade das informações apresentadas e por propiciar aos formandos o esclarecimento de dúvidas. “A aula trouxe elementos importantes e permitiu reflexões e evolução no entendimento sobre o tema”, concluiu Moura.
Além dos docentes, estavam presentes na aula os seguintes membros da Comissão de Heteroidentificação do TJMG: Lívia Borba, Juíza de Direito; Cristina Nolasco, servidora do TJMG lotada na Secretaria de Governança e Gestão Estratégica (SEGOVE), e Cleonice Amorim, servidora aposentada.
Reportagem e fotos: Silvana Monteiro