A EJEF realizou, no dia 22 de março, o curso “A Conciliação Criminal”, em atendimento à demanda da Terceira Vice-Presidência do TJMG. A ação educacional, desenvolvida na modalidade a distância, foi transmitida pelo canal da EJEF no YouTube e pode ser conferida aqui.
O curso teve como objetivo fazer com que os participantes reconhecessem diferentes aspectos da conciliação criminal, destacando seus fundamentos legais, hipóteses de cabimento e contribuição para a cultura de paz. Desembargador Paulo Calmon, da 7ª Câmara Criminal do TJMG e membro do Comitê Técnico da EJEF, foi o mediador da ação, que contou com a docência do Desembargador José Luiz de Moura Faleiros, Presidente da 1ª Câmara Criminal do TJMG e Superintendente do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e das Medidas Socioeducativas (GMF); além da Desembargadora Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues, da 2ª Vara Criminal do TJMG e professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).
José Luiz Faleiros iniciou a apresentação, conceituando “conciliação” como “uma forma de solucionar conflitos, na qual as partes envolvidas aceitam que uma terceira pessoa (neutra), o conciliador, exerça a função de orientá-las para chegarem a um acordo”. Trata-se de uma possibilidade recente no processo penal, trazida pela Lei nº 9.099/95, que instituiu os Juizados Especiais e permitiu tanto a conciliação entre o autor dos fatos e a vítima, como a conciliação entre autor dos fatos e Ministério Público (MP).
A lei citada possibilita àqueles que praticam contravenções penais e crimes de menor potencial ofensivo (pena máxima de até 2 anos) o benefício da transação, que é um acordo feito entre a pessoa que cometeu o delito e o MP. Por meio desse acordo – admitido nos crimes da ação penal incondicionada à representação e da ação penal condicionada à representação, das quais o MP é titular – deixaria de existir a continuidade ao processo criminal, desde que houvesse o cumprimento de determinações firmadas com o MP. Dentre essas possibilidades, estariam, por exemplo, realização de algum serviço comunitário, pagamento de cesta básica, ou ajuda a entidades filantrópicas conveniadas ao Judiciário.
O docente também discorreu sobre a possibilidade de o MP apresentar a proposta de transação penal no tocante à ação penal privada. Destacou, em seguida, a Súmula 536 do STJ, segundo a qual “a suspensão condicional do processo e a transação penal não se aplicam na hipótese de delitos sujeitos ao rito da Lei Maria da Penha”. Abordou, ainda, o “Pacote AntiCrime” (Lei n. 13.964/2019), que passou a viger em 2020 e introduziu no Código de Processo Penal o instituto do “Acordo de Não Persecução Penal”, que consiste em um pacto celebrado entre o MP e o investigado (assistido por um advogado). Nesse caso, o investigado ou indiciado assume a autoria e a materialidade da conduta penal em questão e aceita cumprir condições menos árduas do que a sanção penal aplicável ao fato a ele atribuído.
A docente Daniela Bonaccorsi explanou sobre justiça restaurativa, destacando o fato de ela ter sido cunhada, em 1977, pelo psicólogo americano Albert Eglash, que cuidava de detentos. Trata-se de um conceito ligado a um processo colaborativo voltado para a resolução de um conflito. Segundo Eglash, a compreensão da resposta ao crime pode ter três visões: a retributiva, que traz uma visão de punição propriamente dita; a distributiva baseada na ideia de reeducação, e a restaurativa, para a qual ele usava termos como “reparação”, no sentido de construção de um resultado que realmente possa reparar o mal causado pela prática do crime.
Segundo a docente, “apesar de a Lei dos Juizados Especiais sempre ter colocado como pano de fundo a função da celeridade e da economia processual, os estudiosos da conciliação, buscando uma justiça restaurativa, falam que as medidas de transação, de composição, seriam mais do que uma celeridade, mas a busca de alguma contribuição educativa e que possa, justamente, ter uma visão de cultura para valorizar a reparação do dano e o próprio bem coletivo”.
No que se refere à Lei Maria da Penha, Daniela Bonaccorsi argumentou que é necessário se questionar quando será possível aplicar uma conciliação ou uma intervenção penal que tenha uma sanção ao final do processo. Pontuou que a violência doméstica não é uma questão apenas penal, mas um problema estrutural que afeta mulheres de todas as idades, raças e classes raciais – destacou que o crime é um fato social. “A discussão da conciliação no que se refere à Lei Maria da Penha vem da constatação de que a violência geralmente é praticada por parceiros ou outras pessoas com quem a vítima mantém relações afetivas, e que não são possíveis de serem cortadas a partir de uma sentença criminal”, esclareceu.
Considerada essa complexidade, buscam-se soluções para prevenir futuras agressões. Dentre os recursos de prevenção possíveis, a docente citou os grupos de reflexão, um espaço de educação e reabilitação, com acompanhamento psicossocial do agressor sob orientação de uma equipe multidisciplinar, que tenta mostrar a gravidade da violência praticada e despertar a conscientização, de forma a evitar que ela aconteça novamente. Mencionou, como exemplo, o grupo reflexivo “Tempo de Despertar”. O programa, difundido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), promove conscientização e responsabilização por meio de grupos reflexivos. Atende autores de violência contra a mulher com inquérito policial, medida protetiva ou processo criminal em curso, com exceção dos casos de feminicídio ou violência sexual.
O projeto citado é dividido em dez encontros e, antes de se tentar a conciliação, conduz os participantes a discutir temas relativos a masculinidade, machismo, sexualidade, álcool, gênero, direitos das mulheres, dentre outros. Segundo Daniela Bonaccorsi, foi demonstrado que a reincidência dos membros do grupo reflexivo “Tempo de Despertar” é inferior a 2%.
“A conciliação criminal, seja no âmbito do Juizado ou da violência doméstica, não defende que o Estado esteja incentivando a manutenção de um relacionamento abusivo ou que o Estado deixe de aplicar sanções – muito pelo contrário. Na verdade, o que ela cogita é uma forma de intervenção mais eficaz do Estado, que vai além do direito penal, e que possa, inclusive, trabalhar a vítima, o agressor, para estabelecer a possibilidade de um diálogo. Há, muitas vezes, um vínculo permanente nessa relação, como um pai de uma criança, um sogro, primo, tio; e o direito penal não dá conta de restabelecer isso tudo” – ressaltou a docente.