Mesmo sem aumentar um ponto, quem conta um conto cria reticências para um novo mundo que se abre diante do poder transformador das histórias. Por meio delas, aprendemos, ensinamos, criamos conexões emocionais que tornam as informações mais compreensíveis e memoráveis, fortalecemos vínculos entre os membros de uma organização ou de uma sociedade; somos convidados a pensar, sentir e agir. As narrativas nos ajudam a inovar, colaborar, desenvolver e implementar políticas públicas; incentivam e conduzem mudanças organizacionais. Uma história da qual o TJMG quer fazer parte.
Nessa dinâmica, a EJEF já criou um enredo: inseriu em sua trajetória o curso “Introdução em Storytelling”, realizado nos dias 20 e 22/2 na modalidade a distância, com aulas síncronas (ao vivo), e no dia 27, presencialmente, na sede da Escola. A ação educacional objetivou capacitar o aluno a aplicar a metodologia de contação de histórias a situações reais do trabalho no TJMG.
Participaram da formação magistrados e servidores convocados, além do público externo integrante da Rede Mineira dos Laboratórios de Inovação, indicados pela Unidade Avançada de Inovação em Laboratório (UAILab).
Desembargador Renato Dresch, que também participou do curso como aluno, falou da importância desse tema inovador, que tem sido cada vez mais difundido em toda a Administração Pública, principalmente no Poder Judiciário. “De nada adianta nós, como Escola, realizarmos ações educacionais, se o público-alvo não é atingido, não é tocado. A EJEF precisa se adequar constantemente para atingir um novo público, e não pensar que o público deve se adequar à Escola”, salientou.
Com o ímpeto de sensibilizar os participantes da ação educacional para a importância do tema em questão e fornecer-lhes técnicas para alcançar aqueles que recorrem ao Poder Judiciário, a docente Yna Honda descortinou um conteúdo rico em evidências que comprovam o poder transformador do storytelling nas organizações. Convidou aos alunos a fazerem parte dessa rede inovadora. Relembrou que contar histórias é algo que as pessoas já fazem há muito tempo, desde a época em que nossos antepassados se reuniam ao redor da fogueira para falar sobre suas aventuras de caça; representam parte de quem somos. Elas servem para transmitir mensagens importantes, tanto que foram usadas na mitologia grega, nas parábolas da Bíblia e em discursos políticos memoráveis. Quando Martin Luther King Jr. disse “Eu tenho um sonho” e “imaginou” um futuro em que todos teriam os mesmos direitos, contou uma história para descrever seu ideal de igualdade. Essa narrativa moveu milhões de pessoas, que acabaram ajudando a mudar as leis e a sociedade. “As histórias nos conectam, não importa o tempo que passe. Hoje são usadas para ensinar crianças nas escolas, na propaganda, no marketing, na comunicação em geral, no autoconhecimento, nas organizações; enfim, é uma maneira poderosa de compartilhar ideias e emoções” – destacou Yna.
A docente explicou que o impacto das histórias no cérebro humano é um assunto que vem sendo cada vez mais estudado pela ciência nas últimas décadas. O “era uma vez” ativa áreas relacionadas à compreensão da linguagem, à formação de memórias e à conexão entre as pessoas. Se alguém nos conta sobre uma fuga, por exemplo, as partes do cérebro que imaginam o movimento físico também são estimuladas; fato que comprova que as histórias têm o poder de fazer-nos vivenciar experiências juntamente com o narrador. Tal compartilhamento pode gerar uma sincronia entre os cérebros de quem fala e de quem ouve a narrativa, fenômeno conhecido como acoplamento neural. “É como se ambos estivessem passando pelas mesmas experiências”, explicou a docente.
Além disso, as histórias podem desencadear emoções e a liberação de substâncias químicas no cérebro, como o cortisol, que nos ajuda a focar, e a ocitocina, que aumenta a empatia e a conexão com os personagens daquele enredo. Existe comprovação, ainda, de que as narrativas fortalecem a memória, portanto as informações apresentadas nesse formato são mais facilmente lembradas do que em outros. “Isso acontece porque o cérebro organiza as informações de maneira lógica e conectada dentro da trama, tornando mais simples para nós armazenar e recuperar esses dados mais tarde. Criar conexão emocional através de histórias, tornam a informação mais compreensível e memorável” – observou Yna.
Rodrigo Martins Faria, juiz auxiliar da Presidência do TJMG e coordenador do Centro de Inteligência e do Laboratório de Inovação do TJMG (UAILab), destacou que o “Introdução ao Storytelling” é um dos eixos de atuação para o Laboratório de Inovação em 2024, bem como a neurociência e a gamificação. “Trata-se de novas ferramentas que estão sendo utilizadas em todas as corporações do mundo, especialmente no setor público. No Poder Judiciário, o UAILab é um dos primeiros, se não o primeiro, que está trazendo essa abordagem como uma nova metodologia em busca da resolução de problemas para os usuários. Para além de ser uma mera técnica de contar histórias, o storytelling representa uma maneira mais eficiente de transmitir a informação, captando melhor a atenção das pessoas e envolvendo o elemento emocional delas; conseguindo assim, registrar com mais precisão e consistência a informação para o receptor. Em parceria com a EJEF, o UAILab pretende, por meio da realização de cursos como este, trazer novas ferramentas e estratégias de comunicação, fomentando e contribuindo com a missão de divulgar a cultura da inovação no TJMG”.
Jonathan Porto, oficial de justiça da comarca de Mateus Leme, conta que o curso o tem auxiliado de diversas maneiras. “Como agente público representante do Judiciário, lido com várias pessoas, portanto, com inúmeras histórias. O Storytelling está me ajudando a ter um olhar diferenciado, com o qual eu passo a enxergar não somente o indivíduo que estou citando, intimando ou praticando algum ato de comunicação ou de execução. Passo a olhá-lo além das características que o definem ou dos fatos ocorridos – há o caráter histórico dele. A técnica também pode contribuir no momento em que faço uma narrativa ou pratico algum ato referente à decisão judicial; de forma que a parte executada ou intimada passa a me compreender melhor e ter uma maior consciência do que está acontecendo, principalmente naquele momento quando é feita a abordagem. Além da prestação jurisdicional, pretendo ainda aprimorar minha comunicação com meus colegas de trabalho, sejam eles agentes de execução ou pertencentes a outros setores do TJMG”.
Para a assessora Mayra Augusto de Carvalho, o storytelling é um instrumento fomentador de comunicação eficaz entre o TJMG e os jurisdicionados. “Ele humaniza os casos, tornando-os mais compreensíveis e memoráveis para o público. O uso de histórias permite que as partes envolvidas transmitam suas motivações, circunstâncias e emoções em prol da justiça humanizada”, ponderou.
A utilização da técnica no contexto da Administração Pública, mais precisamente no Poder Judiciário, está ligada à capacidade de comunicar efetivamente políticas públicas, inovações e mudanças. O Judiciário lida com processos e, portanto, com termos que eventualmente não são compreendidos pelo cidadão por não fazerem parte do seu cotidiano. Nesse sentido, as histórias podem ser uma ponte, transformando a linguagem técnica em narrativas que ressoam com a experiência das pessoas. Para isso, o uso da linguagem simples (diferente de simplista), caracterizada pela forma clara, direta, imediatamente compreensível e acessível a todos, independentemente do nível de especialização, representa uma importante aliada. Torna-se relevante destacar que não é necessário diluir o conteúdo para que ele seja comunicado de maneira eficaz. Há técnicas para a utilização da linguagem simples, que irão facilitar a conexão com o público, quebrar barreiras, aumentar a eficácia da mensagem e gerar engajamento.
No Judiciário, a inovação pode ser apresentada sob diferentes formatos, como a implementação de sistemas digitais para agilizar processos ou a introdução de novos métodos de mediação e conciliação. Neste cenário, o storytelling pode ser usado para contar histórias de sucesso acerca dessas mudanças ao demonstrar, por meio de exemplos reais, como estão melhorando o acesso de todos à justiça. A capacidade de analisar dados e apresentá-los de uma forma compreensiva e envolvente representa um mecanismo que contribui para uma percepção mais positiva da instituição, fortalecendo seu vínculo com a sociedade.
Por meio de uma comunicação transparente, o storytelling pode promover melhor compreensão sobre os serviços prestados, aproximar a população das instituições públicas, gerar credibilidade, inspira ação e mudança, além de fomentar uma cultura inovadora – terreno fértil para que muitas outras histórias com final feliz sejam contadas.