A UAILive que aconteceu na noite de 5 de setembro teve como tema: “A arte de comunicar de forma inclusiva: bate-papo sobre linguagem simples”. Mais uma ação da Unidade Avançada de Inovação em Laboratório (UAILab) em parceria com a EJEF, a transmissão trouxe uma conversa que reforçou a importância da comunicação clara e eficiente, sobretudo nas esferas públicas.
Carlos Márcio de Souza Macedo, Juiz Auxiliar da Segunda Vice-Presidência do TJMG e representante do Superintendente da Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), falou sobre a importância da linguagem simples e da reunião com um grupo diversificado para conversar sobre o tema: “Esse bate-papo envolve cabeças diferentes, e a gente precisa entender as diferenças, não só respeitá-las, mas , sobretudo, compartilhar essas diferenças”.
Priscila Souza, Gerente do UAILab, destacou que o setor tem vários projetos que envolvem a questão da linguagem simples e do Direito visual. Lembrou ainda que a linguagem simples desempenha um papel fundamental na acessibilidade e na compreensão das informações, tanto para o público interno do TJ quanto para os jurisdicionados.
Linguagem Simples Lab
Joseane Corrêa, auditora fiscal de controle externo no Tribunal de Contas de SC e criadora do Linguagem Simples Lab, do qual o UAILab do TJMG também faz parte, falou sobre como nasceu a ideia de criação de um laboratório para se estudar a linguagem simples. “Surgiu de um desejo de reunir pessoas interessadas em melhorar a comunicação pública por meio da experimentação, da pesquisa e de capacitações”, relatou.
Criado em fevereiro de 2023, o Linguagem Simples Lab, reúne cerca de 300 pessoas de diferentes estados brasileiros, atuantes em diversos órgãos públicos e esferas de governo. Os cocriadores do laboratório possuem formações e habilidades variadas, como pesquisadores, servidores públicos, designers, facilitadores, linguistas, que têm em comum o propósito de melhorar a comunicação pública por meio do uso da linguagem simples.
A participação no laboratório é aberta para qualquer cidadão, sendo necessário apenas o cadastro no Linguagem Simples Lab, por meio do QRCode a seguir:
O inscrito fará parte de um grupo de discussão sobre o tema no WhatsApp e terá acesso a um drive, por meio do qual se faz o compartilhamento de informações, documentos e conhecimentos acerca do assunto. Atualmente, existem projetos que trabalham, por exemplo, com a simplificação de documentos diversos como editais de licitação e de projetos culturais, transferência entre universidades e da lei das startups (Lei Complementar n° 182/2021). São grupos multidisciplinares, formados por profissionais de várias áreas, tanto da linguagem quanto técnicos do tema que está sendo estudado. Além disso, há mentorias sobre linguagem simples, design, revisão, entre outras. Em novembro, haverá um evento aberto ao público em geral, no qual será apresentado o resultado dos estudos.
Cláudia Cappelli, integrante do Linguagem Simples Lab e professora da UERJ e da UFRJ, definiu o Laboratório como um núcleo gerador de conhecimento, capaz de disponibilizar informações para qualquer pessoa que tenha interesse em melhorar a comunicação pública, independentemente de estar ligada a algum órgão estatal. Consultora contratada pela Associação Brasileira de Entidades Estaduais e Públicas de Tecnologia da Informação e Comunicação (ABEP TIC), a professora desenvolveu o “Guia de Linguagem Simples”, um conjunto de práticas que ajudam na construção, organização e apresentação de informações em linguagem simples, na forma de textos, figuras, gráficos, modelos ou outras.
O guia contém método de trabalho com indicação de boas práticas para produção de textos, gráficos, modelos de processo, arquitetura de informação e web design . Também apresenta instrumentos de autoavaliação com um checklist. Para explicar como e quando cada uma dessas práticas deve ser utilizada, Cláudia Cappelli criou o Método Simplifixa, no qual estruturou o trabalho a ser realizado para melhoria ou criação de informações em linguagem simples. Baseado nas práticas indicadas no Federal Plain Language Guideline, o método foi complementado com conhecimentos de diversas áreas como gestão de processos, arquitetura de informação, gestão de informação, visualização de informação, interface humano computador e UX Writing.
Simplifixa
O “simplifixa” pode ser acessado por meio do link https://abep-tic.org.br/o-metodo/.
“Não se trata de apenas pegar um artefato e iniciar a simplificação”, lembrou a consultora. Várias considerações devem ser levadas em conta no processo de criação da linguagem simples, como qual a finalidade do documento em questão, qual o objetivo organizacional que a empresa ou organização em questão terá com esta simplificação, se trata-se de uma alteração para o público interno, externo; quais artefatos precisam ser simplificados de fato; os modelos, documentos, sistemas, e principalmente deve-se sempre ser levado em conta os instrumentos que a organização já possui. Alguns padrões, como identidade visual, por exemplo, já estão estabelecidos e não devem ser bruscamente alterados.”
Cláudia Cappelli ponderou: “primeiro deve-se pensar na organização para depois pensar, de fato, em fazer o trabalho”. Nessa perspectiva, explicou ainda que, muitas vezes, uma instituição pede para modificar seu aplicativo, mas, quando é feito um estudo mais criterioso, percebe-se que, para redesenhar um App, deve-se alterar estruturas anteriores, pois ele em si é apenas a etapa final o processo. Por fim, salientou a necessidade de monitorar se a modificação realizada conseguiu atingir o resultado o esperado, visando sempre ao aprimoramento das práticas que vêm sendo executadas.
Segundo Cappelli, “a linguagem simples tem que entrar na cultura da organização. O público interno, antes de tudo, deve entender o que está comunicado. Deve-se criar multiplicadores disso dentro da organização e fomentar formações, aí sim, as pessoas irão ‘vestir a camisa’.” O resultado disso, afirma: “é o uso da linguagem simples em e-mails, banco de dados e na organização das informações internas em geral”.
Ilustrando essa ideia, Eduarda Perdigão Coura, legal designer e laboratorista do UAILab, falou da importância do Linguagem simples Lab, caracterizando-o como um espaço livre para atuação e testes, seja na parte criativa, seja na construção de novas ideias advindas do compartilhamento de experiências com outros laboratoristas acerca do tema.
Facilidade na disposição, na busca e na compreensão
Patrícia Roedel, jornalista, instrutora e consultora, também faz parte do Linguagem Simples Lab. Integrante da equipe de gestão do portal da Câmara dos Deputados em Brasília, a servidora foi responsável pela reformulação do Portal da Câmara. “A maioria das nossas comunicações hoje tanto com o público interno quanto externo são por meio digital: sites, aplicativos, vídeos (e vídeos também têm forma, e não somente conteúdo). Então cuidar da forma é muito importante, além do texto”, ressaltou.
Para ilustrar essa ideia, a jornalista comentou que seu pai, professor de Física, dizia que os alunos aprendem as disciplinas de forma separada e compartimentada para fins didáticos, mas, na vida, tudo está interligado. “Não existe dentro do nosso corpo um evento que é Biologia e outro que é Química, essas coisas estão acontecendo juntas – assim é a forma e o conteúdo na comunicação”. Há momentos em que um texto está claro, mas a forma como ele se encontra disposto dificulta que a pessoa localize informações; em outros casos, a informação é encontrada com facilidade, mas a linguagem utilizada dificulta a compreensão.
A consultora relatou que, no processo de reformulação do Portal da Câmera, utilizou recursos como tabelas, dados, interrogações, que ao serem selecionados explicam termos técnicos; usou também gráficos interativos referentes a gastos, verbas de gabinete e área de recursos humanos, como número de funcionários e suas áreas de atuação. Ela contou também que foi alterada a ficha de tramitação, ou seja, o caminho que um projeto de lei segue; tudo agora disposto em forma gráfica, de modo que seja indicado, por exemplo, se a proposta já foi aprovada ou rejeitada em cada comissão. Tal informação acerca da aprovação não existia no sistema, e antes era colocada manualmente. Para essa mudança ser feita, várias alterações no processo de trabalho das equipes foram necessárias.
Patrícia Roedel falou ainda da importância da testagem, no que se refere à leiturabilidade, ou seja, do texto em si, para saber se está fácil de ser entendido; e à usuabilidade, que verificará se a informação está acessível e simples de ser encontrada. Mecanismos como esses funcionam juntos e facilitam a compreensão das informações transmitidas. Para se chegar a esse resultado, disse a consultora, foi feita uma pesquisa inicial junto aos atores internos e aos cidadãos. Eles responderam a questões como “o que pretendem”, “qual o objetivo daquela comunicação”, o que, confessa a consultora, é “algo muito mais complexo do que traduzir texto, mas também muito apaixonante”.
Um dos métodos utilizados nesse processo de construção da linguagem simples é o design thinking, focado nas necessidades, desejos e limitações dos usuários. Tem como grande objetivo converter dificuldades e limitações em benefícios para o cliente, além de valor para a empresa. Dentre as etapas envolvidas nesse método, destacam-se empatia, definição, prototipagem, testagem e implementação. O foco em quem irá usar o serviço é de extrema importância nesse contexto.
Joseane Corrêa, auditora do Tribunal de Contas de Santa Catarina, ilustrou essa questão quando contou sobre a reformulação e testagem feita na página de ouvidoria daquele tribunal. Antes vista como um meio de comunicação com a sociedade, a página passou a ser definida pelo olhar de quem a utiliza, “a Ouvidoria ouve ― o olhar deve ser este”, afirmou. O último relatório trimestral do TCE-SC demonstrou que mais de 80% das comunicações foram direcionadas para o portal, evitando erro, retrabalho, transferência equivocada de ligações, dentre outros problemas anteriormente detectados.
A Comunicação e seus vários formatos
Sidan ORafa, cientista contábil, analista de sistemas e integrante do Linguagem Simples Lab, alertou que a comunicação pode assumir vários formatos. Havendo falhas nesse caminho, não há conexão e a informação não chega ao seu receptor.
ORafa falou ainda sobre a correlação entre contexto, conteúdo e design. Trata-se do processo da técnica de pensamento visual, que é ter um olhar para o conteúdo, mas dentro de um contexto. Os elementos do conteúdo e do contexto precisam estar relacionados para evitar as falhas na comunicação, e tudo isso será “emoldurado” pelo design.
Sidan ressaltou a importância de se discutir a temática e citou um dos trabalhos de que teve a oportunidade de fazer parte na Escola Superior do Ministério Público da União, recentemente, quando, durante uma discussão, um participante disse que a dignidade da pessoa humana ocorre quando ela tem a informação adequada e a capacidade de discernir acerca de suas decisões e sobre as regras a que ela está sujeita. “Assim, dignidade está diretamente vinculada ao design, quando temos como referência essa abordagem da ciência centrada no humano. Não se trata apenas no redesenho de um documento, mas de repensar a forma de fazer, o processo, o método, o paradigma e o olhar – o design veio para somar, nesse sentido, visando à promoção de direitos e o acesso à justiça”, refletiu.
Complementando a fala do colega, Joseane Corrêa, referiu-se especificamente à esfera jurídica e lembrou: “nós estamos em um ambiente de garantir a dignidade, e a linguagem simples parte de uma ética, que é uma ética de inclusão, precisamos incluir as pessoas. A comunicação pública não se refere apenas a mim – é preciso sair de si”. O servidor público, juiz, promotor, que está dentro desse ambiente, deve facilitar a comunicação por meio do uso da linguagem simples. “Isso não é ser simplório, é ser cuidadoso com a escolha das palavras; é ser empático”, afirmou. Por fim, concluiu citando Leonardo da Vinci: “a simplicidade é o último grau de sofisticação”.
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