Quando uma mulher grávida ou que acabou de dar à luz manifesta, antes ou logo após o nascimento, interesse de entregar seu filho para adoção, ela deve ser encaminhada sem constrangimentos à Vara da Infância e Juventude. Esse órgão é responsável por formalizar o processo judicial e prestar assistência por meio uma equipe de profissionais de diferentes áreas.
Com o objetivo de preparar os profissionais para lidar adequadamente com o acolhimento da mãe e o posterior encaminhamento legal do bebê, a Escola Judicial Desembargador Edésio Fernandes (EJEF), por meio de seus Núcleos Regionais, realizou, nos dias 23, 24 e 25 de agosto, o curso “O Serviço da Família Acolhedora e Programa Entrega Legal” nas comarcas de Patos de Minas, Pirapora e Montes Claros, respectivamente. As ações nas três comarcas ofereceram capacitação a cerca de 350 pessoas.
O curso envolveu magistrados, servidores, assistentes sociais e psicólogos judicias; profissionais de saúde, autoridades dos Poderes Executivo e Legislativo, membros da Defensoria Pública, do Ministério Público e das Polícias Civil e Militar das comarcas.
O curso abordou a Lei 13.509/2017, chamada de “Lei da Adoção”, que promoveu alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e incluiu a chamada “entrega voluntária”; a Resolução nº 485/23, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que dispõe sobre o adequado atendimento, no âmbito do Poder Judiciário, de gestante ou parturiente que manifeste desejo de entregar o filho para a proteção integral de seus direitos e possível adoção; o Marco Legal da Primeira Infância; o Estatuto da Criança e do Adolescente e outros dispositivos legais vinculados ao tema.
As exposições e debates lançaram luz sobre o papel e a importância da atuação não só do Poder Judiciário, mas também de todos os órgãos, equipes técnicas e rede socioassistencial que devem atuar junto à mãe e ao bebê.
Compartilhamento de teorias e práticas
A capacitação contou com a docência de Roberto Poiani, Juiz da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Uberlândia e membro da COINJ, que afirmou: “Essa formação com esse enfoque em três diferentes comarcas do interior é de extrema importância para que possamos garantir uma atenção adequada à genitora e estabelecer normas de atendimentos em todas as esferas nas quais essa mulher possa recorrer em caso de entrega do bebê, normatizando como proceder com essa criança, a fim de que ela esteja protegida com a possibilidade de ser atendida pelo Serviço de Família Acolhedora (SFA)”.
Além de painéis e exposições dos juízes e técnicos locais, as formadoras capacitadas pela Escola Judicial, Daniela Torres Pedruzi, Psicóloga Judicial e Raquel Olício Guimarães, Assistente Social, atuaram nas oficinas. Além de compartilharem embasamento técnico nas áreas de psicologia e assistência social, elas demonstraram a exitosa experiência prática vivenciada na comarca em que atuam.
O Juiz Eliseu Silva Leite Fonseca, titular da Vara da Infância e da Juventude e de Precatórias Criminais de Montes Claros, disse que a oficina ampliou o conhecimento dos envolvidos e também capacita todos a atuarem de forma conectada. “O que a gente precisa é determinar os caminhos e trâmites corretos, evitando a clandestinidade. Não tem essa de hospital desencaminhar recém-nascido, a rede multidisciplinar tem que estar apta e à disposição, porém se a mulher opta por entregar o filho a alguém de modo clandestino, por meio da adoção à brasileira, ela vai sofrer sérias consequências”, alertou.
A adoção à brasileira é quando a mãe entrega o filho para outra pessoa sem passar pelas vias legais. O magistrado relata que, em sua região, recentemente, uma criança já havia estabelecido vínculos com uma determinada família e, por decisão judicial, acabou tendo que ser devolvida.
Carlos Renato de Oliveira Corrêa, Juiz da 2ª Vara Cível e da Infância e Juventude da Comarca de Pirapora, falou sobre a importância da ação, no que se refere à relevância do tema em si e à capacitação de todos os envolvidos ― os agentes forenses e a rede de proteção socioassistencial tanto da comarca de Pirapora como das regiões vizinhas.
“Trata-se de um tema muito instigante, porque às vezes temos um certo preconceito, quando ouvimos falar, pela primeira vez da ‘Entrega Legal’, mas depois que entendemos que o objetivo é resguardar os direitos da criança, principalmente daquele recém-nascido, que não tem condições mínimas de se defender, ou de se prover; buscamos com esse trabalho e com as disposições legais, atender e resguardar todos os direitos e interesses desta criança” – ressaltou o Juiz.
O magistrado destacou, ainda, a importância da troca de experiências relativas ao “Programa” com outras comarcas como Uberlândia, onde há uma grande demanda acerca da temática. “A presença destas pessoas de outras comarcas vai nos ajudar a capacitar a rede municipal, dos três municípios da comarca, e também da comarca vizinha, Várzea da Palma, portanto esse curso é extremamente enriquecedor”.
Vinícius de Ávila Leite, Juiz titular da 1ª Vara Criminal e Infância e Juventude de Patos de Minas expressou satisfação em compartilhar formação tão importante para a comarca. “O curso foi excelente. O conteúdo dos expositores, a experiência e a didática do Dr. Poiani, as mídias utilizadas, tudo contribuiu para impactar a plateia, composta de Juízes, Promotores, Defensores Públicos, Assistentes Sociais, Psicólogos, Conselheiros Tutelares, e outros profissionais com atuação na área da infância e juventude. Um público de mais de 150 pessoas, inclusive a Prefeita em exercício, a Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social e outros componentes da Administração Pública. Também estiveram presentes representantes de todos os hospitais públicos e privados. Acreditamos que o curso trará significativa melhora na atuação dos envolvidos nos projetos da Entrega Legal e da Família Acolhedora. Agradeço à EJEF pela oportunidade”.
Entrega Legal
A Entrega Legal é programa implementado pelo TJMG em 2018, por meio da Coordenadoria da Infância e da Juventude (COINJ), visando a atender as determinações da Lei 13.509/17, que trouxe importantes alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) acerca do direito das gestantes e mães de recém-nascidos a realizar, voluntariamente, a entrega do filho para adoção, após o nascimento.
As mães ou gestantes que manifestam o desejo de realizar a entrega do seu filho para adoção têm direito a atendimento sem constrangimento em toda a rede de atendimento, nas áreas da assistência social, saúde, Conselho Tutelar, Ministério Público, Defensoria Pública, Poder Judiciário e demais instituições, conforme realidade de cada território.
É dever dos profissionais acolher a gestante, conforme competências de cada serviço, e realizar seu devido encaminhamento à Vara da Infância e Juventude da Comarca, para formalização do processo.
A equipe técnica da Vara da Infância e Juventude, com seus assistentes sociais e psicólogas, realizará o acolhimento prioritário da gestante e informará o juiz responsável, por meio de relatório, para as devidas providências, como encaminhamento para serviços e programas que garantam os direitos da mãe e do bebê.
O acesso à assistência psicológica, nos períodos pré e pós-natal é fundamental.
A Entrega Legal pretende evitar práticas como abandono de recém-nascidos, maus-tratos e adoção ilegal.
Como é o Serviço da Família Acolhedora
O Serviço de Família Acolhedora (SFA) é uma forma de amparo que visa proporcionar uma guarda abrangente a crianças e jovens que precisam ser temporariamente separados de suas famílias de origem ou extensa devido a medidas de segurança. A provisão de acolhimento deve ser o último recurso para garantir os direitos das crianças, depois que todas as outras formas de apoio à família de origem foram esgotadas pela rede de serviços.
De acordo com o artigo 101, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o acolhimento, seja em uma estrutura institucional, seja em um ambiente familiar, é sempre uma medida extraordinária e temporária. O artigo 19, § 2º, também ressalta que a permanência da criança ou do adolescente no programa de acolhimento não deve exceder 18 meses, a menos que haja uma justificação comprovada.
Portanto, a definição de um limite de tempo para o acolhimento está diretamente ligada ao principal objetivo da medida protetiva, que é reintegrar a criança ou adolescente à sua família de origem ou extensa, ou colocá-la em uma família adotiva, quando a reintegração familiar for impossível.